Duarte (nome fictício), filho de pais portugueses, aguarda há três anos pela conclusão do seu processo de nacionalidade, parado nos Registos Centrais desde 2021. Todos os documentos foram submetidos corretamente, mas o processo não avança. A situação é ainda mais grave porque o requerente sofre de uma doença crónica, o que torna a resolução urgente. Apesar de já ter recorrido a advogados e contactado frequentemente os serviços responsáveis, não obteve justificações claras. O processo já passou por várias mãos, mas continua sem resolução.
A família expressa frustração, destacando a discrepância entre a rapidez em processos de outras pessoas, como as gémeas luso-brasileiras, que obtiveram a nacionalidade em poucos dias. O caso levanta preocupações sobre a falta de prioridade dada a casos mais simples e de maior necessidade. Recorde-se que, em junho, a ex-ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, afirmou que o processo de atribuição de nacionalidade às crianças tratadas com o medicamento Zolgensma decorreu de forma habitual, sem qualquer tratamento prioritário. Segundo a ex-governante, os 14 dias que o Ministério da Justiça demorou para concluir o processo estavam dentro da média da época e não incluem a tramitação prévia no consulado.
Ouvida na comissão parlamentar de inquérito sobre o caso, Sarmento e Castro sublinhou que, dada a simplicidade do processo de naturalização, o tempo poderia até ter sido menor. Explicou que, quando o pedido chega ao Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), está praticamente completo e apenas requer uma verificação simples por parte dos funcionários. A ex-dirigente reforçou que as gémeas tiveram o mesmo tempo de espera que outros menores no Consulado Geral de São Paulo, não havendo sinais de tratamento especial no seu processo.
Para entender melhor aquilo que está em causa, o Nascer do SOL contactou o IRN. O instituto público começa por destacar que, em dezembro de 2023, havia 428.089 pedidos de nacionalidade portuguesa pendentes. Os processos mais antigos ainda em análise datam de março de 2021, refletindo a sobrecarga dos recursos disponíveis no IRN. Os tempos de espera variam conforme a complexidade legal de cada caso, independentemente da nacionalidade dos requerentes.
Segundo o IRN, o aumento do número de pedidos deve-se às sucessivas alterações na Lei da Nacionalidade e ao impacto da cidadania europeia, o que sobrecarregou o sistema. Por exemplo, a Lei Orgânica nº 9/2015, de 29 de julho, reduziu o tempo de residência necessário para a naturalização de estrangeiros residentes de seis para cinco anos. Criou igualmente condições mais favoráveis para a nacionalidade de menores, permitindo que filhos de estrangeiros nascidos em Portugal adquirissem a nacionalidade se um dos pais estivesse legalmente em Portugal há pelo menos dois anos.
Mais recentemente, a Lei Orgânica nº 2/2020, de 10 de novembro, tornou mais acessível a atribuição da nacionalidade portuguesa a netos de portugueses, eliminando a necessidade de prova de ligação efetiva a Portugal para quem tenha residência legal no país. Também facilitou a aquisição da nacionalidade para filhos de estrangeiros nascidos em Portugal, desde que um dos pais estivesse residindo legalmente no país, mesmo que temporariamente, por pelo menos um ano. E ainda alargou o direito à nacionalidade para os descendentes de judeus sefarditas portugueses.
De acordo com o IRN, a tramitação é um processo «complexo» que exige análise documental e consultas a várias bases de dados, agravando os atrasos. Para resolver a situação, está em «fase final a implementação de um novo sistema de informação para apoiar a tramitação dos processos, que visa aumentar a eficiência e eficácia da análise, prevendo-se que, durante o atual trimestre, o novo sistema entre em utilização». Para além disto, o IRN destaca que «está também em conclusão a contratação externa de novos conservadores e oficiais de registo, que irão reforçar as equipas do IRN, que por aposentações têm vindo a ser reduzidas nos últimos anos».
Quanto à diferença de celeridade entre processos, como o caso das gémeas luso-brasileiras, o IRN destaca que processos que envolvem menores, ou situações excecionais, são tratados com urgência. As especificidades de cada caso, como a necessidade de documentos adicionais, também influenciam os prazos, que para alguns casos de atribuição a maiores remontam a outubro de 2021. Em contraste, processos de inscrição direta para menores entrados em 2024 estão a ser analisados. A previsão é que as novas medidas contribuam para reduzir os tempos de resposta nos próximos meses.