Esta manhã, quando entrei na escola dos meus filhos, ainda não eram oito horas, deparei-me com um largo grupo alunos do 6.º ano sentados no chão, cada um com o seu telemóvel – uns mais entusiasmados, outros mais compenetrados, mas todos bastante tensos – a jogar um jogo que os deixava totalmente alheados do que os rodeava. À primeira vista faziam-me lembrar as crianças pequenas quando ainda não interagem umas com as outras, mas brincam lado a lado, cada uma absorvida no seu mundo. O paradoxo total da ideia que temos das relações intrincadas entre as crianças mais velhas.
Fiquei a pensar naqueles reencontros que se faziam todas as manhãs ao chegar à escola quando de um dia para o outro já havia tanto para contar. Nos grupos que se reuniam e que se atropelavam a falar, nos abraços, nas brincadeiras, na risada geral, nas malandrices, nas partidas, nos segredos e conjeturas e também no confronto com aqueles de quem gostávamos menos e que às vezes não conseguíamos evitar. O que resta desse espaço de convívio e crescimento nos recreios de hoje?
Só por aqui seria fácil parar para pensar no que está em causa. Mas há mais.
Muitas daquelas crianças estiveram em frente ao mesmo ecrã desde que saíram da escola no dia anterior. Muitas vão para casa de olhar fixo no telemóvel, chegam, tiram os sapatos e fecham-se no quarto a jogar ou nas redes sociais e nem quando vão à casa de banho, lancham ou jantam dão descanso ao pequeno aparelho. Mais tarde, enquanto deviam estar a dormir, têm os olhos ofuscados por aquela luz branca e mal se levantam já sabemos o que fazem. Dali regressam à escola e o ciclo repete-se. É um vício, como qualquer outro. Alguns pais exasperam, outros preferem não ver.
Não é difícil imaginar a vontade, o entusiasmo e a capacidade de concentração que estas crianças vão ter quando se sentarem na sala de aula e forem obrigadas a estar 90 minutos quietas a ouvir debitar matéria. Mas têm uma ótima solução: o telemóvel está na mochila ou no bolso. As notificações não param de cair, o mundo imparável e superinteressante continua tentadoramente à distância de um pequeno movimento arrojado, a poucos centímetros de uma espreitadela. Sabem que não podem pegar no telemóvel, mas se olharem de relance não fará diferença. E como a professora nem viu, descobrem que, se o segurarem discretamente por baixo da secretária, de certeza que ninguém vai reparar. Só faz formigueiro na barriga as primeiras vezes, depois torna-se um hábito e está encontrada a solução para aquelas aulas teóricas intermináveis.
Não esperemos que sejam as crianças ou os jovens, do alto do seu discernimento, a tomar a decisão mais sensata. Às vezes as aulas são demasiado enfadonhas e os telemóveis demasiado estimulantes e tentadores.
Há muito tempo que não é fácil captar a atenção de turmas inteiras nas aulas, sabemos que alguma coisa tem de ser feita para que os alunos se interessem, para que queiram aprender. O mundo está a mudar, mas a escola está praticamente na mesma. Não proibir os telemóveis na escola – e para que isso aconteça os alunos e os pais têm de ser sensibilizados para estarem do lado certo da batalha – é permitir que os nossos filhos arranjem eles próprios uma solução para algumas aulas chatas e para alguns recreios em que já se torna demasiado aborrecido estar ‘só a conviver’ ou a ser confrontado com alguma situação mais difícil. Muitos já não sabem ter uma conversa sem o telemóvel na mão, para outros é um escape. Permitir os telemóveis na escola é permitir que aprendam menos, que se envolvam menos, que se esforcem menos, que brinquem menos, que se relacionem menos e que se tornem mais insatisfeitos e aborrecidos. Há uma série de coisas essenciais na escola e sem dúvida o telemóvel não é uma delas. Só não vê quem não quer.
Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton
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