Nova Comissão: merecíamos bem mais!

Pelo menos há um quarto de século que não há uma Comissão tão fraca, tão inexperiente, geradora de expetativas tão baixas.

Sempre obediente ao Parlamento Europeu, a presidente eleita da Comissão Europeia antecipou uma semana a distribuição das pastas do futuro Colégio de Comissários. A análise da sua nova orgânica fica para a semana, reservando para hoje uns comentários sobre a composição dessa mesma Comissão.

Desde que, com um atraso de dois dias, os Governos dos 26 Estados-membros fizeram chegar a Bruxelas as suas nomeações como futuros comissários, o que se ouviu de Úrsula von der Leyen em público foi queixar-se da escandalosa discrepância entre o número de candidatos a comissários dos sexos masculino e ‘de pessoas que se menstruam’ (uma piada que Bruxelas não entenderá).

A presidente da Comissão solicitou aos Governos dos outros 26 Estados-membros (já que ela representa a Alemanha) que cada um lhe indicasse dois nomes, um de cada sexo. Tal teria permitido que, com as suas escolhas entre dois candidatos de cada país, VdL tivesse desde o princípio logrado selecionar um Colégio com a paridade que, bem, pretendia. Mas não! Ignorando olimpicamente a solicitação da presidente eleita, 25 dos Estados-membros (todos menos a Bulgária, que, porventura por ser  o mais pobre da União Europeia, não quis ‘desagradar à Chefa’) limitaram-se a indicar um só nome! Resultado, e incluindo a presidente, o Colégio ficou composto por 17 homens e 9 mulheres! Para quem exigia na sua investidura a paridade… Mas tentou desviar a atenção da opinião pública do facto de os primeiros-ministros se terem ‘borrifado’ (desculpem a linguagem…) para o pedido da presidente, mostrando-se muito irritada apenas pelo patente desiquilíbrio!

Que fez então a presidente: num primeiro episódio atacou o elo mais fraco solicitando aos países mais pequenos (Eslovénia, Luxemburgo e Malta) ou mais débeis politicamente (neste caso a Roménia) para que retirassem os candidatos apresentados e os substituíssem por mulheres! Malta assobiou para o lado! A Eslovénia começou por reagir num tom duro que não aceitava trocar e dois dias depois o seu candidato retirava-se… O Luxemburgo sentiu-se ofendido: não se trata assim o grão-ducado, um dos fundadores da CEE! A Roménia aceitou retirar o seu candidato (que era o líder da delegação socialista no Parlamento Europeu), substituindo-o por uma desconhecida eurodeputada do mesmo grupo! Segura da sua fortaleza, por que se dirigiu a presidente a estes pequenos Estados e não fez a mesma exigência à França, a Itália ou à Polónia, grandes países que também indicaram exclusivamente homens? É fácil mostrar-se forte e determinada com os fracos, mais difícil enfrentar os fortes.

Nos termos dos Tratados não lhe restavam outras opções? Claro que sim! Depois dum estudo profundo dos curricula dos candidatos, e antes da distribuição dos pelouros na Comissão, a presidente tem uma entrevista a sós com os candidatos. Num Governo nacional um chefe de Governo estrutura o organograma do Executivo e faz os convites para as pastas em função dos perfis pretendidos. Na Comissão Europeia o presidente idealiza o colégio e depois distribui os comissários que lhe foram indicados! Um curto encontro e ficas com esta pasta! Ora é uma importante prerrogativa da presidente, depois dessa entrevista, poder dizer ao Estado-membro que o candidato proposto não se adequa ao perfil pretendido. O que implicaria, obviamente, afrontar o Governo que o indigitou! Não o fez em nenhum caso. Poderia parecer que estava tudo resolvido, que se ia viver com o que havia.

Mas não!!! Como se sabe, os diferentes candidatos têm que se submeter a audições com as Comissões Parlamentares do Parlamento Europeu, que têm que validar num voto a sua escolha. Então, para a presidente não se expôr contra os membros do Conselho Europeu e segundo os rumores que correm em Bruxelas e Estrasburgo, faz chegar o pedido ao PPE, socialistas e liberais para que, cobardemente, o Parlamento Europeu assuma a responsabilidade de fazer o que ela não teve a coragem de impôr: rejeitar uns quantos candidatos (por sinal todos homens…).

Quais? Serão o italiano, o húngaro e o maltês. O italiano porque, depois do namoro antes da indigitação de Úrsula para um segundo mandato, Giorgia Meloni tinha que ‘pagar’ por não a ter apoiado no Conselho Europeu e os seus eurodeputados terem tornado público que tinham votado contra a sua recondução. Para mais, o candidato apresentado tinha sido deputado da Forza Itália de Berlusconi (portanto, do PPE de Úrsula) e tinha-se mudado para os conservadores de Meloni! O húngaro nem precisa de justificação: foi indigitado por Orban, tem que ser chumbado! Como já fora há cinco anos o candidato magiar. Mesmo se o candidato atual desempenhou com competência, nesta última Comissão, a pasta do Alargamento. Mas alguém se preocupa com eficácia e competência? O que importa é a maioria do Parlamento derrotar o candidato de Budapeste! Já num documento que corre nas Instituições    sobre a distribuição dos portfolios se refere que parece provável a rejeição do candidato pelo Parlamento Europeu e que a pasta a atribuir deve ser ‘fraca’! Finalmente, sobre Malta: Úrsula VdL queria que a atual comissária maltesa fosse reconduzida. Como o Governo indicou outro nome, mesmo se também socialista, e não aceitou o pedido já referido anteriormente, chumba-se para o obrigar a indigitar o nome que a presidente quer. Cá estaremos para ver se o que se diz se concretiza pois, obviamente, a presidente e o seu gabinete desmentem, ofendidos, estas alegações. Estamos num jogo viciado, com cartas marcadas, por quem quer dar permanentemente lições sobre o estado de direito!

Tudo isto, só por si, entristece qualquer europeísta! É confrangedor, é mesquinho, não é pluralista, não é democrático. É aquela baixa política que alimenta os populismos. E depois queixam-se!

Pois parece impossível mas o pior nem é isto! A Comissão Europeia exerce o governo diário da União Europeia. Espera-se que seja constituída por gente íntegra, experiente, competente, sem estados de alma, sem atitudes revanchistas.

Que se preocupe com os tratamentos igualitários entre todos os Estados-membros (como dizemos ‘sem filhos e enteados’), que a busca de igualdade não fique pela de género. Não é o exemplo que Ursula von der Leyen dá!

E o desespero atinge o seu expoente máximo quando um exame mais profundo mostra à evidência que, pelo menos há um quarto de século, não há uma Comissão tão fraca, tão inexperiente, geradora de expetativas tão baixas! Habituamo-nos a apreciar em cada Comissão vários ex-primeiros-ministros, prestigiados ministros reconhecidos interna e internacionalmente, parlamentares nacionais ou europeus conhecidos da opinião pública, diplomatas com provas dadas. A comparação com o que nos é proposto para os próximos cinco anos é de tirar o sono mesmo ao mais otimista! Uma palavra para realçar que, neste capítulo, a escolha de Portugal, na pessoa de Maria Luís Albuquerque, foi particularmente feliz, sobressai pela positiva e deixa-nos confiantes e seguros sobre como o nosso país vai ser dignificado. Valha-nos isso!

Face aos enormes desafios com que nos defrontamos, da guerra à segurança interna, da economia ao emprego, da competitividade aos valores da nossa civilização, a nossa Europa esperava bem mais, precisava de muito mais, merecia bem mais. Pobre Europa, coitados de nós, europeus!

Politólogo