Conta-se que, no auge da Guerra Fria, Henry Kissinger, secretário de Estado dos EUA, terá perguntado: “a quem é que devo telefonar se quiser falar com a Europa?”. É mentira, a frase nunca foi dita por Kissinger. Até a própria ideia que lhe subjaz – a frustração com a incapacidade da Europa comunitária se organizar e falar a uma só voz na arena internacional – é enganadora. Kissinger nunca pareceu realmente preocupar-se com a emancipação desta Europa, muito menos para falar sozinha, ao telefone, com um adulto.
Quando olho para o tempo presente e para os dois candidatos a inquilino da Casa Branca, enquanto europeu, só por isso, inquieto-me com a falta de interesse em ligarem para o nosso número. Se Harris, na primeira entrevista após aceitar a nomeação dos democratas, conseguiu a proeza de não mencionar o continente uma única vez; durante o frente-a-frente com Trump, a referência à Europa foi confrangedoramente insuficiente. Dedicou-nos uma única passagem. Com Trump, Putin estaria sentado em Kiev com os olhos postos no resto da Europa, disse-nos reconfortantemente. Já Trump referiu-se a nós, europeus, como aqueles, “eles”, a quem fez pagar as obrigações financeiras da NATO. E isso é para continuar, garantiu.
É possível que tenham sido meros deslizes, porque, em verdade, o eleitor americano não quer saber da relação transatlântica. Contudo, ao olhar para os programas eleitorais dos dois candidatos, fica claro que o telefonema para a Europa está abaixo de secundário. Harris não nos faz qualquer referência. Implicitamente, percebe-se que quer estar ao lado dos seus aliados da NATO (dos europeus também, presume-se) na questão da Ucrânia. E cá estamos. É isso. Trump, na sua Agenda 47, é mais generoso. Quer evitar a Terceira Guerra Mundial e restaurar a paz na Europa, mas, e isto é importante, só se se “garantir que as suas [nossas] obrigações são cumpridas”. Reforçar as alianças para assegurar a não destruição da humanidade? Sim, desde que paguemos.
Com Trump, há para nós uma esperança. Ele parece ter o número de Orbán. Durante o debate, declarou com carinho que o primeiro-ministro húngaro é: “um dos homens mais respeitados, é considerado um homem forte. É uma pessoa dura. Inteligente…”. Orbán já o apoiou nas presidenciais de há oito anos e com este tipo de afeto apoiará, novamente. Com Harris, não se sabe se há esperança alguma. Embora tenha visitado a Europa algumas vezes, numa entrevista há três anos, quando lhe perguntaram por que razão nunca tinha visitado a fronteira com o México, respondeu um agonizante: “também nunca estive na Europa”.
Talvez, há semelhança de Kissinger, esta frase de Harris não queira dizer o que realmente parece. E, por isso, o que eu acho que precisamos de dizer, enquanto europeus, é simples: Kamala, liga-nos! A alternativa é óbvia: o primeiro número a ser discado terá o indicativo +36. Alô, Budapeste?
Professor de Ciência Política e Relações Internacionais – Universidade Lusófona