Em 1961 Denis Law estava em Turim. Vendo bem não havia grande justificação para que um escocês natural de Aberdeen, que acabara de fazer uma época de exceção pelo Manchester City, rumasse a Itália. Mas John Charles, um calmeirão galês que marcava golos em barda, abrira a porta dos clubes italianos para aqueles que jogavam para lá da Mancha e o preço que o Torino pagou por Law tinha muito que se lhe dissesse: 110 mil Libras. Assim, quando desembarcou no aeroporto de Turim abriu a boca de espanto: milhares e milhares de adeptos estavam à sua espera e os fotógrafos disparavam flashes como se fossem metralhadoras. A seu lado, Joe Baker, um garoto de 21 anos que fora contratado ao Hibernian, passava despercebido. Melhor para ele.
Denis e Joe tornaram-se bons amigos. E formaram uma dupla eficaz na frente de ataque do Torino. Logo na estreia, contra o Vicenza, o primeiro fez um golo e o segundo dois. Ah! As bancadas estremeciam a patadas. Pena que fosse sol de pouca dura. O cattenacio estava na moda nesse tempo. Sobretudo por causa de dois tipos embirrentos e desprovidos de escrúpulos chamados Nereo Rocco e Helenio Herrera. Com eles valia tudo, arrancar olhos inclusive. Law e Baker passaram a sua primeira grande provação no dia em que defrontaram o Inter de Herrera. O argentino, que passou por _Portugal e pelo_Belenenses, dera ordens firmes aos seus defesas: batam-lhes com força em tudo o que fique abaixo das amígdalas. Os dois britânicos terminaram a partida negrinhos de nódoas e aliviados por não terem ossos esfrangalhados. Muita sorte também por perceberem vagamente a língua italiana: ambas as famílias foram insultadas do pior, desde as mãezinhas às mulheres a dias. As coisas começavam a correr contra a maré para os dois escoceses, ainda por cima depois de uma estrondosa vitória face à grande rival Juventus. Os Agnelli não eram apenas donos da Juve e da FIAT, mas também de jornais como o La Repubblica e La Stampa. O pai Giovanni e o filho Gianni resolveram, então, jogar um jogo ainda mais sujo do que o do detestável Herrera: atiçaram os cães sarnentos, os mais infames repórteres que tinham ao seu serviço, contra_Denis e Joe. As suas vidas foram dizimadas, eram seguidos para toda a parte, levantaram sobre eles os mais diversos escândalos.
Denis Law foi o primeiro a quebrar. Sinceramente não estava para aturar tal tipo de comportamentos e aproveitava todas as folgas para regressar a Manchester. Joe aguentou-se. Mas o azar iria bater-lhe à porta coma violência do Destino. Numa noite de Janeiro de 1962, na véspera de um jogo contra o_Veneza, Denis e Joe foram apanhados pelos paparazzi num restaurante da cidade. Foram massacrantemente fotografados durante horas. Então, Joe Baker explodiu com toda a sua fúria bem escocesa e disparou um murro violento nos queixos de um tal de Celio Scarpin. O fotógrafo cambaleou mas não caiu. Joe voltou à carga e atirou-o para dentro do_Grande Canal. O gesto teve consequências imediatas e Benjamín Santos, o treinador argentino do Torino, retirou-o da equipa.
Passou-se um mês. No dia 7 de fevereiro, Baker recebeu a sua nova máquina, um Alfa Romeo Giulietta Sprint, e saiu disparado pela estrada fora levando consigo Denis e o irmão deste, Joseph. Eram três escoceses felizes, de cabelos ao vento, gozando o sol italiano, inconscientes de que o futuro estava para mudar com brusquidão. A farra prolongou-se durante horas. Iam parando nas esplanadas, escorropichando copos de Barolo de Valpolicella, na expectativa de darem de caras com alguma Sophia Loren ou Gina Lollobrigida. Ninguém sabe dizer qual dos três insistiu prolongar a manhã pela tarde, a tarde pela noite e a noite pela madrugada. Facto: já nascia o sol quando Joe entrou a mais de 140 km/hora na faixa contrária e quase esbarrou de frente contra um infeliz que ia a caminho do emprego. O_Alfa raspou numa estátua de Giuseppe Garibaldi e capotou. Os três pândegos foram atirados para fora da viatura.
As manchetes berraram: Pauroso incidente d’auto ai granata Baker e Law._Os jornalistas invadiram o hospital para saberem que Joe Baker tinha partido vários ossos da face. Não voltaria a jogar pelo_Torino. Na época seguinte alinhou pelo Arsenal. Denis teve mais sorte, mas o La Stampa tratou de arrasar com a sua experiência italiana: «Baker e Law, jogadores do Torino, arriscaram perder suas vidas em um acidente de carro, na manhã de ontem. Os dois jogadores já vinham provocando graves preocupações ao clube Granata, com seu comportamento indisciplinado». O_Torino abriu-lhe a porta da rua. O Manchester United a da entrada. Dino Risi poderia ter realizado este filme. Chamar-lhe-ia Il Sorpasso. Tal como o que assinou no ano seguinte.