- A Revolução Cultural – loucura final do maoísmo, algo contranatura no espírito e prática milenares chinesas – foi na verdade um ultra esquerdismo importado do Ocidente, que poria a extrema esquerda da Europa em delírio. Extinta a RC, a China de Deng importou as liberdades capitalistas, que fazem a riqueza das nações. Mantendo a regulação autocrática do regime, os líderes chineses deram ao modelo uma extraordinária eficácia. Num ritmo de reformas e transformações sociais nunca visto na História, a China tornou-se a segunda potência económica do mundo, ameaçando o lugar da potência hegemónica. O que se passou a partir daí, que ameaça hoje o entendimento entre as duas potências, era previsível. A China teve de passar à defensiva, endurecendo o regime e abrindo-se a alianças que só faria na situação de cerco em que os EUA a colocam. (A China nunca foi aliada da Rússia e não apoia a invasão da Ucrânia, que habilmente se tem empenhado em ajudar a resolver).
Por razões históricas e de pensamento, a China é uma civilização avessa à guerra. Mas também por razões pragmáticas é o país que mais precisa de paz, para continuar a crescer e desenvolver-se. Conseguirá a China evitar o confronto bélico, que não deseja nem lhe convém?
- Um ponto nevrálgico do cerco à China é o estreito de Taiwan. Uma história que nunca é bem contada. O que assistimos é à insistência na inevitabilidade e iminência do conflito, que destruiria o mundo, aliás. Conflito que na verdade nenhum dos lados do estreito deseja e onde os interesses e afinidade comuns de ambas as partes são uma teia espessa de afetos, de relações e interesses sempre mais imbricados
O jornal português de Macau Ponto Final referiu um incidente recente gravíssimo: uma vedeta de guerra de Taiwan abalroou um barco pesqueiro da China afundando-o, sem haver sobreviventes. Nem por encomenda a China teria encontrado melhor pretexto para a supostamente desejada ocupação da Ilha. Mas, não! As duas artes empenharam-se em resolver rapidamente a questão, na Comissão Permanente conjunta que existe para resolver esse tipo de emergências.
- Na diferença cósmica do que está em jogo, na dimensão das implicações planetárias que o conflito traria, a situação de Taiwan é, afinal, idêntica à de Hong Kong e Macau. Uma situação legada pela História que a História resolverá. Como em Macau e HK resolveu. A nossa jovem empregada chinesa dizia-me que «quando a China for como Taiwan ficará tudo resolvido». Mas nem vale a pena especular o que será, nesse momento, a realidade das duas partes.
A nossa ideia de tempo, lembra o filósofo e sinólogo François Julien, é dramática e trágica, herdeira do tempo Grego, que confundia Chronos, o tempo, e Kronos o deus que devora os seus filhos, um tempo que corrompe e devora a vida. Os Chineses também o conhecem, claro, e abusam dele, aliás, no seu labor quotidiano. É o man man (em cantonense), ‘com calma’, ‘devagarinho’, expressão que suponho usarem nas duas acepções. Mas esse não é o tempo deles. O tempo chinês é o tempo histórico das longas maturações. Privilegiaram a longa duração, a maturação lenta, deslocações subterrâneas, transformações silenciosas. «À nossa visão heróica grega da História, para a qual não existe existe vitória sem combate, opõe-se a concepção chinesa, fundada na paciência e na transformação suave operada pelo tempo». À violência abruta os Chineses – e são chineses as populações de ambos os lados do estreito de Taiwan – preferem ver o tempo tecer a sua teia. O pensamento chinês é um pensamento da transição. Não há início primeiro, não há fim último. Os Chineses pensam em termos de interacção e fluxos contínuos. A História não é mais que propensão a partir dum potencial da situação, à espera que o momento de intervir sem perturbar a continuidade cósmica se revele.
Oxalá nos EUA se manifeste este conhecimento, que aí não falta entre os especialistas. Oxalá os políticos norte-americanos tenham o bom senso de não intervirem, de darem, afinal, tempo ao tempo deles.