A nova Comissão: vencedores e vencidos

O novo Colégio atribui as pastas mais relevantes aos Países do Sul: Espanha, França, Portugal e Itália.

Dias conturbados com sucessivos atrasos, nomeações polémicas e súbitas demissões estrondosas antecederam o anúncio da distribuição das pastas no proposto Colégio de Comissários.

Recordemos, por exemplo, que depois do pedido de Ursula von der Leyen para que a Eslovénia retirasse o candidato que tinha proposto e nomeasse uma mulher, pedido esse considerado irrecusável pelo fraco Governo esloveno, em menos de 48 horas o dito candidato desistia! E venerando e obrigado, o referido Governo indigitava uma mulher, como solicitado pela kaiser Ursula. Só que rebenta um escândalo em Ljubljana porque a nova candidata teria, alegadamente, sido colaboradora da UDBA, a antiga e de má memória polícia política jugoslava do tempo de Tito!

Dias volvidos é o poderoso comissário Thierry Breton que bate ruidosamente com a porta! Embora reconduzido para um segundo mandato por Macron, demite-se com efeitos imediatos ao saber que a presidente tinha solicitado ao Eliseu a sua substituição! Lembram-se de que ele tinha referido há uns meses que queria ser ele o presidente da Comissão? Pois não é só cá: quem se mete com a Ursula, leva!

Tudo e todos aguardavam que Macron nomeasse uma mulher, para responder ao pedido da presidente. Em menos de 3 horas o presidente nomeia outro homem, o seu atual ministro dos Negócios Estrangeiros! Vem de França, a senhora presidente aceita sem pestanejar e disfarça mais esta desconsideração de um membro do Conselho Europeu! Recordemos que a semana passada referimos que ela pedira ao Parlamento Europeu que chumbasse 3 homens. Vamos ver se tal acontecer se então levanta a voz publicamente para pedir a indigitação de mulheres!

A atual Comissão von der Leyen tinha 14 homens e 13 mulheres, a paridade. Para este segundo mandato propõe 16 homens e 11 mulheres. Apenas 40%! Que retrocesso! Como adoçar a pílula: para as 6 futuras vice-presidências propõe 4 mulheres e 2 homens! Toma-nos a todos por parvos.

Ainda sobre vice-presidências não se compreende a sua atribuição nem pelos titulares, nem pelas competências, nem pelos Estados-Membros que representam: por exemplo a Roménia tem uma das 6 vices conferida a uma eurodeputada socialista totalmente desconhecida com a responsabilidade das Pessoas, Competências e Preparação! Vamos ter que aguardar pela divulgação das Cartas de Missão para compreender realmente as competências de cada Comissário.

Num tom mais sério, o novo Colégio atribui as pastas mais relevantes aos Países do Sul: as principais pastas económicas vão para Espanha (Concorrência, sempre a pasta mais apetecida na Comissão), França (Política Industrial), Portugal (Serviços Financeiros) e Itália (Coesão e Reformas).

Já o Norte, os acérrimos defensores da Ucrânia e inimigos de Putin, ficam com as mais importantes pastas políticas atribuídas à Finlândia (Soberania Tecnológica, Segurança e Democracia), Estónia (Alta Representante para a Política Externa) e Lituânia (Defesa e Rearmamento).

Algumas pastas vão carecer uma particular atenção do Governo português porque foram atribuídas a parceiros que não partilham alguns dos nossos interesses fundamentais: se bem que fundador do grupo dos Países da Coesão, o Comissário polaco (Orçamento) tem públicas simpatias com as críticas expressas pelos Estados-Membros que os da Coesão denominam de Avarentos! Como antigo chefe da gabinete de Donald Tusk quando este foi presidente do Conselho Europeu, é pessoalmente o Comissário mais próximo da presidente. E a Alemanha atravessa as dificuldades económicas que conhecemos! Uma área em que se vai verificar a utilidade de António Costa como futuro presidente do Conselho Europeu!

Depois de Juncker ter congelado o Alargamento e da atual Comissão só se ter preocupado com a Ucrânia (que não cumpre um único dos critérios de Copenhaga, e que é um país tristemente em guerra onde continuam a imperar a corrupção e os oligarcas), a entrega da pasta a um Estado como a Eslovénia, com a candidata controversa que já referimos, foi uma tremenda desilusão para os restantes candidatos, na maioria Repúblicas da ex-Jugoslávia. Mas a designação da pasta refere também a Reconstrução da Ucrânia. Deve ir só trabalhar para isso, e recordemos que, neste momento, são 5 biliões mensais.

Em termos de famílias políticas, o PPE, que venceu destacado a eleições europeias com 188 Eurodeputados vai ter 13 Comissários (tinha 9), os Socialistas têm 136 parlamentares e 5 Comissários (eram 9), os Patriotas pela Europa 84 e 1 Comissário (mantêm), os Conservadores e Reformistas 78 e também mantêm o Comissário que tinham) e os Liberais, os grandes derrotados com um desprestigiante quinto grupo parlamentar (eram o terceiro) de 77 deputados conseguem 4 Comissários (eram 6). Incluindo 2 dos 6 Vice-presidentes e pastas importantes como os Negócios Estrangeiros, Justiça, Estado de Direito e Alargamento. Não há dúvida que venderam bem caro o seu apoio à reeleição de Ursula von der Leyen! Há ainda 3 que se dizem, para já, independentes.

Uma última palavra sobre a candidata nacional e a pasta que lhe foi conferida: em Bruxelas, Maria Luís Albuquerque continua com a sua reputação em alta e o importantíssimo dossier que lhe foi atribuído, os Serviços Financeiros e União da Poupança e Investimento, incluindo a crucial reforma dos mercados financeiros, traduz essa confiança e é assinalado pela colocação de Portugal e do Governo de Luís Montenegro como um dos vencedores desta distribuição dos pelouros da Comissão Europeia!

Numa semana trágica no nosso país aconselhamos, para desanuviar e estimular um sorriso, uma leitura das denominações dos diferentes portfolios. A título de exemplo: na atual Comissão a responsável pela Saúde tinha o título de comissária para a Saúde e Segurança Alimentar. Na segunda Comissão von der Leyen será comissário para a Saúde e Bem Estar Animal! É verdade, nós humanos somos mamíferos. Ou ver que a Prevenção e Gestão de Crises fica com a Vice que também tem a Igualdade e as questões LGBT.

Politólogo