Conta a fantasia popular que na 3.ª invasão francesa de 1810 um indómito pastor português, sozinho entre cajado e rebanho, se postou inabalável na embocadura de uma ponte raiana de Almeida frente ao exército do marechal Massena ribombando poderoso entre estandartes e glória a marchar para Lisboa. Peito feito, o jovem afincou os pés no chão sem tremer e de dentes cerrados olhou firme. Após instantes de tensão bélica suavizou a expressão, afastou-se para o lado e, indulgente, disse: «Vá, passem lá!». E os franceses passaram até a História os ter barrado nas Linhas de Torres. Às vezes a ironia vence.
Vem isto a propósito do quarto D do 25/Abril que, como sabemos, eram três: Descolonizar, Democratizar, Desenvolver. Descolonizámos entregando à URSS num par de meses o que foi português durante cinco séculos; a Democracia nasceu coxa, sem direita mental e política a sério; o Desenvolvimento embrulhou-se sem a dialética de ideias contrapostas capazes de reformas estruturais, isto é, alternámos entre bancarrotas e anemias económicas, excetuando o corrupio do cavaquismo que, em troca de agricultura e pescas, nos cimentou o europeísmo com obra pública: «Vá, passem lá!» dissemos sem ironia, pedintes à porta da Europa em veio consumista, via verde e autoestradas. Em seguida veio Guterres até se demitir atolado no pântano e depois foi capa da Time com água pelas canelas, zangado com o aquecimento do planeta, convicto da culpa antropogénica. Eis o quarto D do 25/Abril, o da Dependência: de mão estendida fizeram-nos velhos manhosos ante nove séculos de independência política.
Mário Soares a pé ligeiro e sob as pressas do MFA fez a Descolonização, dita exemplar e depois a possível, traidora se vista pelos retornados compulsivos. Sem ultramar, cuja guerra foi a real ignição do 25/Abril, Soares abriu-nos as portas da Europa que os nossos emigrantes já haviam empurrado de assalto. Se a independência secular de Portugal se fundeou no mar depois, sem ultramar, um acordo comum, calado e ávido levou-nos à CEE em significativo cerimonial nos Jerónimos. Só podia ser aí, o mar fechou-se onde o havíamos aberto.
Paulatinamente fomos envelhecendo enquanto os fundos europeus nos venderam fulgor alienante e nos compraram os filhos que não tivemos. O Inverno demográfico secou-nos, exportámos força e iniciativa nos jovens que emigraram em massa, importámos migração descontrolada, a soberania nacional ficou-se no rodapé do Tratado de Maastricht (1992) até se finar no de Lisboa (2007): «Porreiro, pá!» palrou de peito feito o primeiro ministro de cá, Sócrates de seu nome, apertando esfuziante a mão ao Durão Barroso de lá, o da Europa nossa para onde fugira da tanga que mal nos encobria as vergonhas mundanas. A UE federalista há-de matar a Europa por sua natureza ‘infederável’ ao anular a diversidade dos europeus; bastaria a livre circulação de pessoas e bens, de capitais e serviços. De repente o Portugal dos pequenitos ajustou-se ao tamanho dos governantes neste canto desencantado da Europa. Somos agora uma imensa praia servindo de bandeja o turismo neste largo areal, um Alcácer-Quibir sob o torpor de cervejas e uísques.
Mal entrámos no euro o euro entrou em nós, o federalismo liberal impôs-se-nos sem nada nos perguntarem. Eis a democracia, é como os nacionalismos, mau se for húngaro, bom se ucraniano. Furtivamente ficámos sem instrumentos de política monetária e cambial, sem autonomia económica e orçamental. Adeus soberania: «Vá, passem lá!». O quarto D desta Dependência deplorável só não envergonha os da vidinha fácil das negociatas e dos subsídios tóxicos. Vendemos a liberdade neste país antigo hoje envelhecido desistindo da experiência dos velhos suaves e sábios. Ao invés, endurecemos na manha dos velhacos, não por acaso a velhacaria é vício de velhos.
«Já posso ir ao banco?» troçou matreiro António Costa a Ursula von der Leyen puxando a si o cheque milionário da bazuca. Tanta indigência até dá vontade de chorar!