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Em pleno Século das Luzes, a eletricidade era um dos temas mais discutidos nas conversas de salão, e a imprensa celebrava os dispositivos elétricos e os seus inventores

«Será morto um peru para o jantar com um choque elétrico e assado num espeto elétrico, diante de um fogo ateado por uma garrafa eletrificada…». O humor com que Benjamin Franklin descrevia, em 1749, uma ‘festa elétrica’ resultava da obsessão da época por tudo o que se relacionava com fenómenos elétricos. A etimologia do termo ‘eletricidade’ reflete o facto de as propriedades atrativas do âmbar (elektron em grego), quando friccionado, serem conhecidas já na Antiguidade.

A garrafa eletrizada a que o futuro primeiro embaixador norte-americano em França se referia era a chamada garrafa de Leiden, um primitivo condensador elétrico (dispositivo que armazena carga) inventado em 1745 pelo alemão Ewald Georg von Kleist, embora a invenção costume ser atribuída ao holandês Pieter van Musschenbroek, professor na Universidade de Leiden. Foi Benjamin Franklin, um dos pioneiros no estudo da eletricidade, que demonstrou a natureza elétrica dos relâmpagos e criou o para-raios.

Em pleno Século das Luzes, a eletricidade era um dos temas mais discutidos nas conversas de salão, e a imprensa celebrava os dispositivos elétricos e os seus inventores. Palestrantes itinerantes iam de cidade em cidade com os seus aparelhos portáteis, fazendo demonstrações do ‘fogo elétrico’ em salões e praças públicas. Era de forma teatral que diversos fenómenos de atração e repulsão entre corpos carregados eram apresentados, podendo os próprios espetadores experimentar alguns deles, como o cabelo a levantar-se ou as mãos a atrair pequenos pedaços papel. No escuro, as espirais de faíscas que surgiam em tubos de vidro e as luzes azuladas e esverdeadas que preenchiam recipientes com vácuo criavam uma atmosfera mágica. Um dos números favoritos do público era o ‘Beijo elétrico’, que combinava a demonstração científica da acumulação de carga com a ousadia de um beijo roubado. Também conhecido por ‘Beijo de Vénus’, foi concebido pelo alemão Georg Matthias Bose. Para o efeito, uma jovem do público era convidada a subir para um bloco de resina, um material isolador, sendo depois carregada com carga elétrica de um globo giratório. Um jovem do público era então convidado a dar-lhe um beijo, resultando num considerável choque para ambos.

Segundo Louis Figuier, o célebre divulgador de ciência – Eça refere-o logo na segunda frase de O Primo Basílio –, Paris, na década de 1770, assistiu a uma moda de chapéus de senhora com para-raios. Figuier menciona também o ‘para-raios-guarda-chuva’ (imagem), proposto por Jacques Barbeu-Dubourg, correspondente e tradutor de Franklin. Tanto os chapéus como o guarda-chuva estavam em contacto com o solo através de um cabo metálico.

No século XIX, a Cidade-Luz seria dominada por uma verdadeira eletro-mania. Gustave Trouvé, inventor da bateria de bolso, apresentou na Exposição Universal de Paris de 1867 uma coleção de ‘joias elétricas’, incluindo alfinetes de peito com autómatos em miniatura movidos a eletricidade, como coelhos tocando tambores e pássaros que batiam as asas e abanavam as caudas. O único exemplar sobrevivente é um alfinete em forma de caveira, cuja mandíbula se mexia e os olhos, de diamante, reviravam. Muitas das criações de Trouvé eram destinadas ao mundo do espetáculo, destacando-se o ‘lustre-vivo’, em que um grupo de mulheres adornadas com luzes formava um candeeiro humano.

A luz elétrica não tardou a aparecer na literatura. Em 1882, três anos após Thomas Edison patentear uma lâmpada incandescente funcional, Émile Zola já a mencionava em Au Bonheur des Dames (O Paraíso das Damas). Neste romance, o autor retrata a vibrante Paris, moldada pela reurbanização do Barão Haussmann e pela ascensão das grandes superfícies comerciais, símbolos da sociedade de consumo que ameaçavam as tradicionais lojas de bairro (ontem como hoje, os mesmos problemas!).

Foi neste ambiente eletrizante que emergiu a figura da norte-americana Loie Fuller, uma dançarina que transformou a dança ao integrar técnicas de iluminação inéditas (patenteadas pela própria) em coreografias que desafiavam as convenções da época, resultando em efeitos visuais de grande impacto.

A alta sociedade também acompanhou essas mudanças: a socialite nova-iorquina Alice Claypoole Vanderbilt destacou-se no Baile Vanderbilt de 1883 ao usar um vestido inspirado na eletricidade. Este incorporava uma bateria oculta responsável por alimentar a tocha que empunhava, evocando a imagem da Estátua da Liberdade. Pouco depois, a revista The Electrical World anunciava que os espartilhos das senhoras seriam ampliados para acomodar baterias, antecipando assim a era dos wearables.