O verdadeiro tesouro da infância

Na infância só se olha para o presente, que decorre numa valsa lenta sem pressas, diferente do passo desvairado dos adultos

Uma destas manhãs, quando estávamos a chegar à escola, oiço do banco de trás: «Mãe! Um mapa do tesouro! Ali mesmo!».

Estacionámos e eu pensei que, entretanto, o meu filho já teria percebido que não se tratava de um mapa. Mas mal fecho a porta: «Vamos lá ver se é um mapa do tesouro!». E puxa-me por ali fora. Quando chegámos vi uma enorme folha de cartão no chão. Ele continuava na expectativa de ver o mapa e subitamente também eu arrisco uma ponta de esperança. Pega na folha, vira-a cuidadosamente, mas: «Oh. Afinal é só um cartão. Vamos pôr ali no lixo». «Que pena…» – deixei escapar.

Pena não só do meu filho, mas da forma inclemente como a vida nos vai fazendo desacreditar nos sonhos e na magia. Pelo contrário, ele não parecia nada dececionado. Para ele continua a ser absolutamente provável encontrar um mapa do tesouro, uma pedra preciosa, um pedaço de meteorito ou um leão ao virar de outra esquina. Está tudo em aberto.

A infância é uma janela para um mundo onde a fantasia se confunde e entrelaça deliciosamente com a realidade, um mundo de possibilidades onde tudo pode ser qualquer coisa muito especial e quase nada é só nada. É uma visão para além das coisas, que serve o desejo e faz ver aquilo que mais ansiamos.

O mesmo se passa com a imagem que as crianças têm de si. Um menino que ergue uma espada não se sente só um menino de espada na mão. Passa a ser um cavaleiro, um guerreiro, sente-se valente, audaz, cresce uns bons 50 cm e acredita que os outros também o veem assim. Se alguém lhe diz que é forte, que tem uma espada perigosa, que parece um pirata, ele acredita piamente e fica à espera que outras pessoas reparem nele enquanto se estica e exibe uma convicta valentia. Tal como uma menina, que quando veste um vestido de bailarina ou de princesa põe-se em pontas e começa instantaneamente a rodopiar, a fazer vénias e a imaginar-se num palco cheio de luzes e espectadores entusiasmados ou num sumptuoso palácio onde todos param para a admirar.

Nós, adultos, somos o público da sala de espetáculos, as aias ou o príncipe encantado do castelo. Comentamos, admiramos, entramos na fantasia, valorizamos, enchendo, aos poucos, o seu ego em formação de confiança, alegria e vaidade.

A infância é a altura em que somos mais olhados e acarinhados, tanto pelas pessoas de quem gostamos como por desconhecidos. Em que estamos em permanente aprendizagem, com desafios e provas de superação importantíssimas que resultam em enormes elogios. Em que somos aplaudidos por cada vitória.

É uma fase em que só se olha para o presente, para cada momento, que decorre numa valsa lenta sem pressas, diferente do passo desvairado dos adultos. Que nos faz parar e nos desperta para as coisas mais simples e deliciosas. Para os desenhos mais engraçados, para as construções mais incríveis, para as ideias mais originais, para as perguntas mais improváveis, para o princípio de tudo.

Os pais são uns sortudos, por poderem voltar a esta janela mágica onde quase tudo é possível. São os detentores do verdadeiro mapa do tesouro, que procuram em conjunto com os filhos, sabendo que o tesouro mais brilhante de todos é esse mesmo, a relação que os une, o caminho que percorrem, descobrem e constroem em conjunto ao encontro das pequenas-grandes riquezas dos dias.