As recentes sondagens, que apontam 21% das intenções de voto no Almirante nas próximas eleições presidenciais, fizeram soar os alarmes em Belém, Rato, São Caetano à Lapa e em muitas redações. Num ápice, jornalistas e comentadores de todos os quadrantes apressaram-se a descredibilizar esta provável candidatura com um repertório de desqualificações mais ou menos previsíveis: que Gouveia e Melo carece de experiência política; que desconhece as dinâmicas partidárias; que a sua popularidade deriva apenas de ter feito bem aquilo que lhe competia durante a pandemia (o descaramento!); que, por ser militar, transmite um perfil autoritário; que lhe falta empatia e habilidade comunicacional; e, sobretudo, que ninguém sabe o que realmente pensa, nomeadamente sobre o exercício dos poderes presidenciais.
Ocorre que os “contras” da candidatura do Almirante parecem ser, pelo menos para 21% dos portugueses inquiridos, vantagens inequívocas. Senão, vejamos:
Experiência política? Num país de políticos profissionais, de carreiristas vindos das jotinhas, de gente profundamente incompetente, onde a maioria nunca trabalhou a sério nem se deparou com as exigências do mundo fora dos corredores do poder, a falta desta experiência é, sobretudo, uma vantagem.
Conhecimento das dinâmicas partidárias? A arte das rasteiras, traiçõezinhas e punhaladas nas costas? Diria que a maioria dos portugueses prefere quem nunca tenha mergulhado nesse submundo e que seja, aparentemente, incapaz de descer ao nível das pantomimas a que os partidos nos foram habituando. Se Gouveia e Melo desconhece esse mundo tanto melhor para ele… e para nós.
Ter feito bem o seu trabalho durante a pandemia? Num país onde os serviços públicos se degradam a olhos vistos e onde “competência” é uma palavra quase exótica, a eficácia do Almirante é de tal maneira incomum que não pode deixar de ser elogiada.
Perfil autoritário e falta empatia? Neste pais onde se confunde proximidade com populismo e simpatia com porreirismo, ser sério, sóbrio, formal e direto são qualidades raras, incompreendidas ou desconhecidas por muitos.
E quanto ao fato de ninguém saber o que ele realmente pensa? Não deixa de ser curiosa a critica. Mas houve alguém que, em algum momento, soubesse o que pensa realmente o actual presidente? Marcelo, é tão inteligente e maquiavélico, pensa e fala tanto, e tão contraditoriamente, que na maioria das vezes é difícil perceber o que é que realmente pretende ou o move . Nesse contexto, o silêncio de Gouveia e Melo soa mais promissor e refrescante do que a verborragia constante de Marcelo.
Mas as sondagens falam por si. Um em cada cinco portugueses parece estar absolutamente nas tintas para os defeitos apontados pelos comentadores nacionais. Não tenho a pretensão de saber o que realmente leva 21% dos portugueses inquiridos a considerar votar em Gouveia e Melo. Suspeito, no entanto que, para muitos, trata-se de um voto de protesto contra tudo o que Marcelo representou nestes últimos anos – o homem da selfie, da proximidade popularucha, da presença constante nos média, da ambiguidade calculada, dos joguinhos de poder, do comentário fácil sobre tudo e sobre todos, e da banalização da Presidência ao ponto de lhe retirar a pouca dignidade institucional que ainda lhe restava.
Se for eleito, Gouveia e Melo será, provavelmente, a antítese de Marcelo: um homem de formalismos, de protocolo, de sobriedade, de costas direitas e discurso breve. E, nesta sociedade do espetáculo, quem diria que, afinal, o silêncio e a sobriedade poderiam ser tão atraentes? No fim de contas, o que os portugueses parecem querer é um presidente a sério… até eu que sou monárquico.
Advogado