Direito a habitar (II Parte) – Urbanismo a partir dos anos 70

Competirá ao Estado, com Planeamento e Urbanismo através de entidades competentes, a definição das localizações dos futuros ‘Novos fogos’.

A experiência, evidencia, sobre o que tem acontecido a partir dos anos 70, que o setor, com o patrocínio do ‘imobiliário’ e dos ‘bancos’ no financiamento do acesso à habitação, quer na construção quer na aquisição para habitação própria, levou à expansão urbana desordenada. Na AML o ritmo de crescimento da ocupação urbana mais que duplicou na primeira década de 2000. Que planos foram considerados para este ‘crescimento’?

Logo em 2000 num artigo intitulado Por uma política corrente de reabilitação urbana o arquiteto Nuno Teotónio Pereira (P&C07’00) aponta os malefícios de urbanizações desreguladas com o resultado que é visível, irrecuperável.

‘…na inutilização massiva de solos de aptidão agrícola pela expansão desmesurada de periferias desumanizadas, nos vultuosos investimentos em infraestruturas urbanas a que essa expansão obriga, no agravamento constante dos problemas de transporte com o desperdício de energia e o aumento de distância entre os locais de residência e de trabalho, etc.’

Sabe-se que outros Estados Europeus, sob a pressão financeira, não cederam e desenvolveram e regularam políticas públicas de habitação, com bons resultados.

Quando se referem, todos os dias, problemas com ‘habitação’, é preocupante que apenas sejam referidas ‘quantidades de fogos’. O que significa? Conclui-se facilmente que imperam apenas vetores de ‘imobiliário e construção’, e apenas negócio. A habitação não pode ser tratada como mercadoria para investimento especulativo, para uso de mercados financeiros. O que pressupõe que não deve ser esperado do mercado a completa e única solução do problema.

Competirá ao Estado, com Planeamento e Urbanismo através de entidades competentes, a definição das localizações dos futuros ‘Novos fogos’. Consideração de um ‘mapeamento de transportes e serviços’, com mapa de localização do empreendimento de modo que os interessados possam saber o que lhes é oferecido e garantido. Neste planeamento, deverão estar incluídas, intervenções que permitam ações de reabilitação desta situação, conduzidas por técnicos capacitados. Todo este planeamento deverá incidir para a fixação de residentes permanentes. É necessário garantir uma identidade cultural, para os moradores, um sentido de proximidade, que tem sido completamente ignorado.

É necessário evitar continuar a criar ‘paisagens’ com excesso de construção prolongando erros já existentes. É um desafio grandioso que deve mobilizar os técnicos mais competentes e uma capacidade administrativa e política capaz de tomar as decisões acertadas.

Não julgamos que ao elaborar este texto, não se repitam outras opiniões já emitidas. A insistência pretende ativar esta discussão, tratando o assunto distanciado do ‘Imobiliário-Turismo-Construção’. Este distanciamento, em nosso entender, compete ao Estado regular, controlar e evitar que as novas regras de simplificação, nos licenciamentos, distorçam as competências que urge mobilizar, com adequada especialização de técnicos e das chefias das entidades responsáveis.

Importa controlar o excesso de turismo, portanto restringindo a expansão do alojamento local e a criação que parece ser exagerada de empreendimentos hoteleiros.

Em contraste surgem os chamados ‘projetos estratégicos da Câmara Municipal de Lisboa’, que nada têm a ver com a questão da habitação! (?) São projetos IMOBILIÁRIOS cujo suporte resultou de decisões da Câmara em termos de ‘ocupação’ de solos…

  1. Alcântara Poente – 81.779 m2 – habitação, escritórios, comércio;
  2. Alta de Lisboa – 2.471.933 m2 – habitação, serviços e logística;
  3. Artilharia 1 – 133.168 m2 – habitação e serviços;
  4. Entrecampos – 263.275 m2 – habitação, escritórios, equipamentos públicos e zonas comerciais;
  5. Marvila-Beato – 169.385 m2 – complexo habitacional;
  6. Matinha – 339.305 m2 – Adjacente ao Parque das Nações habitação com visual rio;
  7. Praça de Espanha – 71.012 m2 – Serviços e habitação;
  8. Quinta Bensaúde (Laranjeiras) – 128. 307 m2 – habitação comércio e serviços;
  9. Vale de Santo António – 283.000 m2 – habitação

(Nota : recolhido de Jornal i de 28 de maio de 2024)

Temos um total de 3.473.552 m2! O que vai resolver?

No caso do ‘Alcântara Poente’, por exemplo, consideramos que se trata de um caso com um volume de construção despropositado neste local. A Câmara autorizou, por que aprovou uma capacidade ‘edificandi’ para permitir o aparecimento deste projeto Imobiliário. Seria mais ‘razoável’ face à sua localização, que houvesse outro tipo de decisão, distanciada do ‘imobiliário’. Aqui além de perturbar as ‘vistas’ não parece acrescentar nada à cidade, nem aos moradores.

É muito importante esclarecer por que são intitulados ‘estratégicos’. Que plano foi elaborado para a consideração destes ‘loteamentos’? A que princípios urbanísticos obedece? Como é possível comparar estas decisões com um apoio aos moradores futuros?

Como acima se refere é indispensável um distanciamento claro entre as decisões administrativas e políticas e os interesses do ‘Imobiliário’!

SUGESTÕES A CONSIDERAR

  1. Reabilitar condignamente todas as zonas habitacionais da Área Metropolitana de Lisboa antes de lançar novos empreendimentos quer em Lisboa, Oeiras, Amadora, Concelho de Sintra, etc. Estudar profundamente o acesso a transportes públicos, (poupando circulação automóvel); assegurar condições de habitabilidade nos bairros assim criados;
  2. Rever os ‘projetos imobiliários’ acima referidos procurando submeter a uma visão atualizada da orientação do Ministério de Obras Públicas de 1948 acima referida. Estudar uma introdução de uma política de solos que não seja definida por simples especulação imobiliária. Que condições de acessibilidade foram consideradas? Hoje é também prioritário dar atenção aos elevadíssimos consumos de energia nas grandes edificações. (‘Torres’, tão gratas à especulação do valor dos solos). Pensando nesta questão apresentamos uma proposta para o futuro: Imaginemos introduzir, para a determinação da área de construção para habitação (ou até para escritórios) de um edifício, seja calculada, por um ratio entre a energia resultante de painéis fotovoltaicos colocados na cobertura, (tão apregoados) e as exigências energéticas para alimentação de energia nas áreas comuns (elevadores, iluminação, etc.) e nas habitações. (uma questão semelhante à opção de veículos elétricos…).
  3. Libertar as habitações de alojamento local e que sejam destinadas a residentes permanentes. É um ‘mito’ a consideração de que o alojamento local tem recuperado o edificado. A defesa do património edificado é uma obrigação que deverá ser considerada, da responsabilidade, de entidades administrativas e privadas; foi criada uma situação de privilégio para os agentes do alojamento local que receberam apoios e simplificações administrativas e fiscais algumas vezes incompreensíveis, modificando, no caso das zonas históricas de Lisboa por exemplo, sem sentido, áreas de habitação que deveriam ser para residentes permanentes.
  4. Importa controlar o excesso de turismo, restringindo a expansão de alojamento local e a criação que parece ser exagerada de empreendimentos hoteleiros.

A prioridade tem que ser dada a um Plano que seja compreendido como facilitando aos seus residentes, uma vida tranquila, com acesso às suas tarefas familiares, profissionais, de Saúde, em resumo que encontrem as condições que intitulámos como ‘Definição de habitação’.

Engenheiro civil