Envelhecimento: aceitação ou negação?

Preparemo-nos atempadamente para o problema do envelhecimento que mais tarde ou mais cedo há de chegar.

Recentemente, uma minha doente na casa dos oitenta anos, após ter sido consultada, disse-me com ironia: «Não quero ser velha. Estou muito bem assim». Achei curiosa a sua reação, e respondi-lhe no mesmo tom: «Tem toda a razão. Conheço pessoas que ficaram sempre com a mesma idade e por isso nunca envelheceram».

De uma forma ou doutra, direta ou indiretamente, acabamos na velha discussão: aceitar ou não a chegada do envelhecimento? Se é verdade que ninguém pode evitar aquilo que é inevitável, há que reconhecer também que a sociedade parece querer contrariar a evolução natural para essa fase da vida, oferecendo-nos propostas que visam retardar o caminho por onde, um dia, todos iremos.

E muitos ficam fascinados com essas aliciantes promessas, confiando em medicamentos milagreiros que fazem emagrecer ou em dietas erradas e sem fundamento científico, nas cirurgias estéticas que tiram anos de cima ou nos ginásios onde se recupera a forma física de outros tempos.

Mas, afinal, quando começa o envelhecimento? Em que idade começamos a ser velhos? Que poderei eu fazer quando surge a perda da memória, os problemas de audição e de visão, quando aparecem as perturbações do sono, o desinteresse pelas coisas, as dores nos ossos e a comida já não nos sabe bem? Independentemente da idade, é sinal de que entrámos na velhice e o que há a fazer é aceitá-la. De nada adianta negar a evidência, nem arranjar explicações para aquilo que é óbvio e natural.

Para muitas pessoas, o dilema é este: reconhecer o que está a acontecer – ou não aceitar essa realidade e tudo fazer para voltar aos saudosos tempos do passado?

Citando Goethe: «Envelhecer não é difícil. Difícil é ser-se velho». Como a esperança média de vida tem vindo a aumentar, vive-se até mais tarde, ficando por saber se um envelhecimento prolongado tem ou não a qualidade de vida correspondente. E estará o nosso país preparado para responder a esses envelhecimentos arrastados? Em minha opinião – e por muito que isso me custe admitir -, não está.

Vejamos: os cuidados continuados estão muito aquém das necessidades; os cuidados paliativos estão ainda longe daquilo que se deseja e espera deles; o Serviço Nacional de Saúde é o que sabemos; o setor privado só é alternativa para uma minoria de portugueses, pelos custos elevados que acarreta; hospitais de retaguarda não existem e entretanto surgem novas unidades hospitalares apetrechadas com a mais recente tecnologia, ficando para trás o investimento naquela estrutura intermédia tão essencial e que tanta falta faz; os lares, salvo raras e honrosas exceções, não têm o mínimo de qualidade; as reformas, baixíssimas, mal dão para a compra de medicamentos; e tudo isto numa sociedade onde a família nada tem a ver com o que era dantes e os valores se vão perdendo.

É o retrato fiel da sociedade ocidental, onde os velhos já não produzem, são descartáveis, não servem para nada. Ao invés, na sociedade oriental, o idoso é respeitado, é o símbolo da experiência, da sabedoria e todos se reveem nele.

A mensagem que aqui deixo é apenas esta: preparemo-nos atempadamente para o problema do envelhecimento, que mais tarde ou mais cedo há de chegar. Sem falar na saúde física, que caberá a cada um defender, há que acautelar em particular a saúde psíquica, para que o envelhecimento possa ser ativo e saudável. É fundamental não ficar em casa em frente à televisão, sair com amigos, ter projetos com o seu companheiro, tentar ouvir e perceber os mais novos, ser voluntário na comunidade onde há tanta gente a precisar de nós e onde podemos fazer a diferença.

Pensemos nisto enquanto é tempo. Ninguém sabe como vai ser o dia de amanhã, e de um momento para o outro as coisas mudam radicalmente e podemos ser apanhados de surpresa, não estando preparados.

Aceitar o envelhecimento é uma prova de inteligência. Rejeitá-lo é a forma subtil de nos enganarmos a nós próprios.

Médico