Milhares reuniram-se em Madrid para apelar à redução das rendas, mas descontentamento é geral

O Sindicato de Inquilinas e Inquilinos de Madrid acredita que estiveram presentes mais de 100 mil pessoas na manifestação deste domingo.

Madrid foi palco de uma manifestação histórica, este domingo, organizada pelo Sindicato dos Inquilinos, sob o lema “Acabou. Vamos baixar as rendas”. A concentração, que começou às 12h (hora local), levou os manifestantes em direção ao Palácio de Cibeles. Durante o evento, os participantes entoaram palavras de ordem como “Madrid será o túmulo do rentismo”, “Madrid não aguenta mais, Madrid levanta-se” e “Os senhorios estão a roubar-nos os salários”.

Valeria Rapu, porta-voz do Sindicato dos Inquilinos, declarou à agência EFE que “o tempo esgotou-se para os senhorios, patrões e Governo”, afirmando que “não há polícia, tribunais ou valentões suficientes para parar o protesto”. Enfatizou que os proprietários “esgotaram o tempo se continuarem a aumentar os preços”, fazendo um apelo para que os inquilinos deixem de pagar rendas e lembrando que “não há polícia, tribunais ou bandidos suficientes para expulsar todos nós que estamos aqui”.

Os manifestantes exigem também a demissão da ministra da Habitação, Isabel Rodriguez, e, segundo Rapu, os inquilinos não querem “promessas vazias”, mas sim uma redução concreta do valor das rendas. A manifestação culminará na Plaza del Callao e, simultaneamente, outras marchas estão a ocorrer em várias partes do país. O Sindicato dos Inquilinos anunciou que, a partir de segunda-feira, pretende organizar-se “em todos os bairros de Madrid e do Estado contra este sistema injusto”.

Quatro dias antes, o Sindicato dos Inquilinos de Madrid havia feito um apelo à desobediência civil, convidando os arrendatários a pararem de pagar as rendas aos senhorios. A organização afirmou que “o problema da habitação é demasiado importante para ficar nas mãos dos que estão há anos sem pôr um travão neste sistema que cada dia impede mais gente de ter uma habitação digna”. Este protesto, realizado em colaboração com o Sindicat de Llogateres da Catalunha, visa ser “o princípio do movimento que vai baixar as rendas”.

Javier Gil, membro do Sindicato dos Inquilinos, propôs que os inquilinos deixem de pagar o valor exigido pelos senhorios e comecem a pagar o que consideram aceitável. Argumenta que os governos têm falhado na regulação do mercado de habitação, sugerindo que os cidadãos realizem ajustes pelos próprios meios. Gil lembrou que a desobediência civil para conquistar direitos já se mostrou bem-sucedida em movimentos passados, citando exemplos históricos de greves de rendas em Manhattan, Argentina e Barcelona.

Este movimento de resistência contra o aumento das rendas não é exclusivo de Madrid. Nos últimos anos, várias cidades, incluindo Nova Iorque e Kansas City, também assistiram a ações semelhantes, onde os inquilinos se organizaram para criar uma crise financeira para os senhorios, forçando negociações.

Como é que os preços têm evoluído?
O descontentamento crescente entre os inquilinos e a pressão por mudanças significativas na política de habitação parecem indicar que a luta por direitos habitacionais continuará a ganhar força nas semanas e meses seguintes. E não só em Espanha, não sendo algo de estranhar: em julho deste ano, o preço médio do metro quadrado em Portugal superou em mais de 500 euros o valor praticado em Espanha, conforme dados do portal imobiliário Idealista, citados pelo El Economista. Em território nacional, o metro quadrado atingiu uma média de 2.654 euros, enquanto em Espanha o valor foi de 2.153 euros.

Essa diferença acentua-se nas capitais dos dois países: em Lisboa, o preço médio do metro quadrado é 62% mais elevado do que em Madrid. Enquanto em Madrid o preço ronda os 3.500 euros, em Lisboa já ultrapassou os 5.600 euros. No Porto, o metro quadrado também se encontra acima do preço em Madrid, com valores em torno de 3.560 euros, enquanto no Funchal, os preços igualaram os da capital espanhola.

Apesar da semelhança nas pressões imobiliárias de ambos os países, o El Economista observa que a situação em Portugal é mais crítica. O salário mínimo português é de 820 euros mensais, enquanto o espanhol atinge 1.134 euros, representando uma diferença superior a quatro mil euros anuais. Embora ambos os países tenham implementado medidas para conter o aumento dos preços da habitação, a preocupação persiste.

Carlos Tavares, ex-ministro da Economia e atual coordenador do Observatório de Políticas Económicas e Financeiras da Sedes, alertou, em entrevista ao El Economista, para o risco de uma bolha imobiliária, uma vez que os preços das habitações estavam, no final de 2022, cerca de 75% acima do pico observado antes da crise financeira de 2007/2008. Destacou que esta valorização foi amplamente sustentada por políticas monetárias e pela oferta de crédito, características típicas das bolhas.

O mercado de arrendamento em Portugal também apresenta altos preços. Em Lisboa, por exemplo, o custo médio por metro quadrado é de 21,5 euros, o que implica que o arrendamento de um imóvel de 70 metros quadrados ultrapassa os 1.400 euros, enquanto em Espanha, a renda média para um imóvel semelhante fica ligeiramente acima de mil euros.

O impacto do turismo
Este ano, o turismo global está em plena expansão, com a Organização Mundial do Turismo (OMT) a prever um aumento de 2% em relação aos níveis pré-pandemia. No entanto, essa recuperação varia significativamente entre as regiões e algumas cidades estão a enfrentar consequências diretas no mercado imobiliário devido ao fluxo de turistas.

Cidades como Istambul, Londres e Paris, que atraem milhões de visitantes anualmente, sentem a pressão do turismo sobre o mercado de arrendamento. Em Istambul, por exemplo, os moradores relatam, numa edição do i dedicada ao turismo, de setembro, que a transformação de bairros residenciais em áreas turísticas leva ao aumento dos preços das rendas, forçando residentes locais a buscarem alternativas em áreas mais afastadas. Ahmet, um comerciante local, expressa preocupação com a perda de tranquilidade e espaço, afirmando que o turismo, embora benéfico economicamente, torna a cidade menos habitável para os residentes.

Em Londres, mesmo com uma leve queda no número de turistas, a cidade ainda enfrenta desafios relacionados com o turismo massivo. Emily, uma jovem moradora, menciona que a saturação do centro da cidade durante a temporada mais movimentada torna o quotidiano difícil, com o aumento dos preços a impactarem diretamente os moradores.

Paris não escapa a essa realidade. Sophie, residente local, destaca que a presença constante de turistas em locais icónicos, como Montmartre, cria um ambiente sufocante, afetando a qualidade de vida dos moradores. A substituição de pequenos comércios por lojas voltadas apenas para turistas é uma preocupação crescente, refletindo uma mudança na dinâmica local.

O fenómeno do turismo excessivo também está em evidência em cidades como Barcelona, onde protestos contra o aumento do turismo e a sua influência no mercado de arrendamento têm vindo a intensificar-se. Os moradores exigem regulamentações mais rigorosas para proteger o direito à habitação e o bem-estar local. O aumento da gentrificação e a conversão de propriedades residenciais em alojamentos turísticos têm drenado o mercado imobiliário, resultando em preços de rendas cada vez mais altos e na expulsão de residentes de longa data.

Em relação a Lisboa, especificamente, os bairros de Alfama e do Bairro Alto, por exemplo, estão a enfrentar um desafio crescente: a gentrificação e o impacto do turismo no mercado de arrendamento. Historicamente conhecidos pelas suas tradições e cultura vibrante, estes bairros agora sentem a pressão do turismo, que tem alterado drasticamente a dinâmica comunitária.

O crescimento do alojamento local, impulsionado pelo aumento do turismo, tem forçado muitos residentes a deixar os seus lares. Os moradores locais expressam preocupação relativamente ao facto de muitos imóveis terem sido convertidos em espaços destinados a turistas, aumentando assim os preços das rendas e dificultando o acesso à habitação. Segundo dados de 2018, havia cerca de dois residentes para cada turista em Alfama e Bairro Alto, mas essa proporção está a aproximar-se de um para um, sinalizando uma saturação turística.

Em junho, em entrevista à LUZ, Cristina, uma residente de Alfama, destacou que muitos idosos foram enganados com o boom do turismo e acabaram por vender as suas casas a preços muito baixos, levando a uma escassez de habitações acessíveis. Mencionou que, atualmente, os jovens enfrentam dificuldades extremas para encontrar alojamento, uma vez que as rendas médias chegam a 1.500 euros .

As vozes de moradores, como as de Rita, da Casa de Chás e Cafés Delícia, refletiram uma tristeza pela perda do bairrismo. Naquela altura, por exemplo, muitos residentes sentiam que a verdadeira essência dos Santos Populares estava a ser ofuscada pela presença crescente de turistas e novos moradores que não partilham a mesma ligação emocional com o bairro. Observavam que a identidade local está a perder-se, com muitos que costumavam participar ativamente nas tradições agora apenas a assistirem às mesmas como visitantes.

No geral, o desafio para muitas cidades será encontrar um equilíbrio entre os benefícios económicos do turismo e a qualidade de vida dos seus residentes. À medida que o turismo continua a crescer, as cidades precisam de considerar soluções que protejam tanto a economia quanto a identidade e o espaço dos locais.