Audições dos Comissários Europeus: um jogo com cartas marcadas

Um exercício que deveria ser transparente e produtivo servirá apenas para ratificar o que foi antecipadamente combinado entre as coligações maioritárias no Parlamento Europeu.

Depois da distribuição das pastas pelos 26 potenciais Comissários Europeus a que já consagrámos uma reflexão, teve início o processo a que todos os candidatos se têm de sujeitar no Parlamento Europeu para obterem a sua confirmação.

Recordemos os passos que constituem as audições: primeiro, cada um dos candidatos remete ao Gabinete da Presidente eleita e à Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu (JURI) a sua resposta a um questionário em que têm de responder detalhadamente sobre a sua atividade nos últimos 10 anos, todo o seu património (do próprio, conjugue e filhos), a total ausência de eventuais conflitos de interesse dessa atividade passada com as responsabilidades que lhes vão ser conferidas e que as funções serão exercidas com total imparcialidade e independência.

Depois duma primeira avaliação, a Comissão JURI manifestou a sua desilusão pela falta de transparência na maioria das respostas, remetendo a 23 candidatos pedidos de esclarecimento suplementares. Apenas obtiveram o assentimento para passarem desde já à fase seguinte 3 dos 26, os candidatos indicados pela Polónia, Países Baixos e Hungria. Curiosamente, os representantes holandês e húngaro estão entre aqueles que, segundo os rumores que circulam em Bruxelas e Estrasburgo, os deputados europeus têm mais ‘vontade’ de aprofundar o seu escrutínio.

Os 23 candidatos referidos terão que voltar a submeter os esclarecimentos pedidos e a Comissão JURI terá que validar as suas respostas. Embora nesta fase as respostas sejam confidenciais, alguma Comunicação Social tem-se deliciado com exercícios de ’voyeurismo’ e divulgação dos patrimónios e respostas dos candidatos. Note-se que a Comissão JURI não tem poderes de investigação, mas baseia-se essencialmente no que a Imprensa nacional afeta à oposição política dos candidatos em cada Estado Membro vai divulgando. Este processo deve estar concluído a 18 de outubro. Recordemos que, no passado, alguns candidatos já foram eliminados nesta fase, e tiveram que ser substituídos.

Terminada esta fase, os candidatos receberam até ontem um questionário com questões sobre as áreas que vão tutelar, a que têm que responder até 22 de outubro. Essas perguntas foram preparadas pela Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares e pelos deputados das Comissões que vão participar nas respetivas audições. O questionário permitirá aferir o conhecimento de cada candidato na área que lhe foi atribuída, as suas prioridades nas futuras funções e dissipar definitivamente qualquer dúvida que ainda possa subsistir sobre um eventual conflito de interesses.

Depois, de 4 a 12 de novembro, terão lugar as tão esperadas audições. Consoante os casos serão envolvidas uma ou mais Comissões Parlamentares (quando o pelouro do candidato contiver áreas da responsabilidade de mais que uma Comissão). Cada audição terá a duração de 3 horas, exceto as dos Vice-Presidentes da Comissão que, por coordenarem áreas mais vastas, durarão 4 horas. Os candidatos fazem uma intervenção introdutória de até 15 minutos, seguem-se as perguntas dos deputados (em que deixou de existir o limite de 25 perguntas) e os tempos de cada pergunta deixaram de ser atribuídos a cada deputado, passando a ser geridos por cada Grupo Parlamentar (exceto os não-inscritos). Os candidatos dispõem para cada resposta do dobro do tempo da pergunta formulada. No término deste período, o candidato tem direito a proferir uma declaração final. A audição pode ser dada por terminada ou a Comissão Parlamentar solicitar uma segunda audição complementar antecedida de novas perguntas e que não poderá ultrapassar a hora e meia.

Tudo parece transparente e democrático, mas não o é. Muito pelo contrário. Por detrás deste procedimento há inúmeros jogos de bastidores com trocas de favores (tu não ‘tramas’ o meu candidato ou eu também ‘tramo’ o teu…), pretensas linhas vermelhas políticas (que nada têm a ver com a competência do candidato para a responsabilidade conferida), espadas desembainhadas, vinganças pessoais, minutos que se antecipam de glória efémera!

Na verdade, no fim fica-se com a sensação de um jogo com cartas marcadas, em que um exercício que deveria ser transparente e produtivo servirá apenas para ratificar o que foi antecipadamente combinado entre as coligações maioritárias no Parlamento Europeu.

Pela sua relevância, um tema que continuaremos a seguir atentamente nas próximas semanas! l

Politólogo