Sinais do tempo

Por cá, a previsão do tempo na RTP resume-se quase a símbolos infantis de sóis e nuvens. Em países mais evoluídos não é assim

O tempo, no sentido meteorológico, influencia-nos o humor, a saúde e as ações. Serve de tema de conversa, facilita interações sociais e é uma fonte inesgotável de inspiração artística. A sua representação nas artes plásticas, literatura e música decorre não só dos cenários naturais que cria, belos ou aterradores, mas também de ser uma linguagem universal que expressa emoções profundas. Pense-se na tela A Tempestade (c. 1508) de Giorgione, que explora a tensão entre as forças da natureza e a fragilidade humana, ou na peça A Tempestade (c. 1610), onde Shakespeare usa as condições climáticas e os fenómenos naturais para traduzir o tumulto emocional e os conflitos internos dos personagens. Na música, as tempestades têm sido um tema recorrente, como na espetacular abertura da ópera Guillherme Tell (1829) de Rossini, ou na canção ‘Stormy Weather’ (1932), popularizada por Billie Holiday e Sinatra, onde o tempo se apresenta como uma alegoria do desgosto amoroso.

A previsão do tempo data da Antiguidade, baseada na observação de fenómenos naturais, como padrões de vento e formação de nuvens. Na Europa, as observações meteorológicas sistemáticas começaram no século XVII, enquanto na América do Norte, as primeiras estações meteorológicas surgiram no século seguinte. Foi essencial dispor de instrumentos como o barómetro, inventado em 1643 por Torricelli, para medir a pressão atmosférica; o anemómetro, que mede a velocidade e direção do vento, melhorado por Robert Hooke em 1663; e o higrómetro de cabelo, criado em 1793 por Horace B. de Saussure, para medir a humidade. O termómetro de mercúrio de Fahrenheit e a escala de Celsius também foram introduzidos no século XVIII. A invenção do telégrafo, em 1837, possibilitou a comunicação rápida de dados a longas distâncias.

A agência meteorológica do Reino Unido, o primeiro serviço nacional desse tipo, nasceu em 1854. Com dados coligidos em navios e em estações terrestres, as primeiras previsões diárias do tempo foram publicadas no The Times em 1860. Em 1904, Vilhelm Bjerknes propôs a previsão do tempo a partir de cálculos fundamentados nas leis da física, inaugurando a moderna previsão numérica do tempo, que só seria viável na década de 1950, com o advento dos computadores e o uso de modelos matemáticos para simular a atmosfera. Estes modelos são influenciados pela teoria do caos, que reflete a dinâmica não linear da atmosfera, onde pequenas variações nas condições iniciais podem gerar grandes diferenças nas previsões. Na mesma década, o lançamento do primeiro satélite meteorológico, o TIROS-1, revolucionou a previsão do tempo ao disponibilizar dados em tempo real. Atualmente, as previsões baseiam-se em modelos computacionais avançados e grandes volumes de dados, com uma precisão continuamente aprimorada, em parte graças à IA.

Por cá, apesar da tecnologia, a previsão do tempo na RTP, salvo no Bom Dia Portugal (emitido a horas que poucos veem), resume-se a símbolos infantis de sóis e nuvens. Felizmente, em países mais evoluídos não é assim. Na RAI, a emissora pública italiana, são oficiais da força aérea que, desde a década de 1950, apresentam a previsão do tempo nos telejornais, que é, aliás, da responsabilidade daquele ramo das forças armadas. A televisão suíça também tem meteorologistas em horário nobre, que, por vezes, colocam perguntas científicas aos telespectadores. O vencedor vê, depois, a sua terra – por mais pequena que seja – assinalada no mapa das temperaturas, ao lado das principais cidades do país. Os espectadores enviam também fotos, como o primeiro nevão do ano, e as melhores são exibidas no écran.

Como nação marítima, Portugal teve bons boletins meteorológicos nos telejornais, apresentados por competentes geofísicos, como Anthímio de Azevedo, Costa Malheiro ou Teresa Abrantes, a quem o público carinhosamente chamava ‘mentirologistas’. Hoje, a apresentação do tempo, despersonalizada e reduzida pictogramas ao nível de emoticons, reflete a imbecilização em que o país mergulhou. Li recentemente que muitos adolescentes já não conseguem interpretar um simples horário de transportes. Como professor, noto com preocupação que cada vez mais alunos chegam à universidade com uma cognição mais próxima dos ícones dos seus omnipresentes telemóveis do que de uma verdadeira compreensão da realidade.

Já em 2014, ao apresentar o seu último boletim meteorológico, Teresa Abrantes lamentou que Portugal voltasse a ser um dos poucos países da Europa, senão o único, sem um meteorologista, pelo menos num dos canais de televisão. Quando voltam ao horário nobre os mapas sinóticos com o anticiclone dos Açores, que nos deixem ver além das nuvens escuras que tendem a dominar o horizonte?