Os moradores dizem que é «um centro comercial a céu aberto», um lugar familiar e saudável para viver. As pessoas conhecem-se, cumprimentam-se na rua e, por norma, já têm os seus locais de eleição. No entanto, há uns meses que o ambiente se tem alterado pelo aumento do número de assaltos, e os moradores e lojistas de Campo de Ourique falam do começo de um «clima de medo». «Alguém tem de fazer qualquer coisa!», exalta um morador sobressaltado quando interrogado sobre aquilo que se tem passado.
Pequenos furtos
Já passou da hora de almoço e o movimento é muito. No restaurante Trempe, no número 11 da Rua Coelho da Rocha, alguns clientes ainda estão a acabar a sua refeição. Segundo Flávio Lourenço, o proprietário, há dois ou três meses que têm havido assaltos praticamente todos os dias. Na segunda-feira de madrugada, o seu pai, que vive no prédio ao lado, estranhou ouvir barulhos vindos do restaurante. «Era madrugada e ouviu vidros a partirem-se», conta ao Nascer do SOL. Quando o movimento acalmou, desceu para perceber o que se tinha passado. «Partiram-nos o vidro da porta e levaram-nos garrafas de vinho, vinho do Porto e aguardente. É aquilo que temos de mais valor», explica. «Entretanto veio a Polícia, que estava a receber informação – via telemóvel –, que já estavam a acontecer mais dois assaltos», revela. «Há uns anos, o bairro de Campo de Ourique era muito perigoso por causa do Casal Ventoso. Muita droga, muito álcool… Com o tempo melhorou bastante. Acho que agora está a voltar ao mesmo», lamenta. De acordo com o proprietário do restaurante, a falta de iluminação e de policiamento tem permitido que este tipo de episódios aconteça. «Hoje cheguei aqui às 7h20 da manhã e a iluminação era zero. Tudo apagado. Não sei se isso tem a ver com a Câmara ou com a Junta, mas tem mesmo de ser melhorado. Ao mesmo tempo, acho que se houver mais policiamento, os assaltantes começam a ter receio. Neste momento, estão muito à vontade», acredita.
Steve Attal – dono de uma loja de óculos a uns metros do Trempe –, teve o mesmo problema na noite de 31 de julho. «Às duas da madrugada, dois rapazes na casa dos 25 anos partiram o vidro da porta da loja. Como o alarme tocou, o assalto só durou 30 segundos. Vi nas câmaras», relata o francês – o bairro tem muitos cidadãos franceses. Roubaram um portátil e três óculos de sol. «Só percebi o que tinha acontecido às seis horas. Quando cheguei já cá estava a Polícia. Fiz a minha declaração, mas até agora não sei o que aconteceu. Dei-lhes os vídeos», conta.
Clima de medo
Os moradores estão em «estado de alerta» e há mesmo quem já evite andar na rua a determinadas horas. «Nasci aqui. Estou cá há 57 anos», afirma uma moradora, acrescentando que as coisas começaram a piorar há um mês. «O Casal Ventoso acabou, mas não acabou… Isso é só conversa», garante. E, neste momento, continua, parece que «a toxicodependência está a aumentar». «As coisas que estão a ser mais roubadas são bebidas e dinheiro. Não há assaltos com agressões, estamos a falar de vidros partidos. São pessoas que querem dinheiro para o consumo. Queremos que o nosso bairro continue agradável e familiar como sempre foi», sublinha.
Tal como ela, Manuel Lage, proprietário do restaurante Az de Comer, na Rua Almeida e Sousa, vive no bairro há mais de 40 anos. «Sempre houve assaltos, mas ultimamente tem sido demais», desabafa. O seu estabelecimento foi assaltado há sensivelmente um mês, às três da madrugada, mas por incrível que pareça, os assaltantes «não levaram nada». «Rebentaram-me duas portas, um sujeito ficou lá fora e o outro entrou. Foi direito às caixas ver se havia dinheiro. Felizmente não encontrou nada. Depois, encostou-se ao tabaco. Eu estava a ver as gravações em casa. Tinham capuchos que não permitiam ver as caras. Pensei: ‘Pronto, vai levar-me o tabaco!’. Não levou… O alarme tocou, conforme disparou, ele saiu a correr. Ou seja, não levou nada. Só vandalizou», lembra. Manuel Lage concorda que há cada vez mais toxicodependentes no bairro. «Então ele esteve ali encostado ao tabaco e nem lhe pegou? É o desespero… Querem o dinheiro para as doses de droga», defende. Tal como os outros lojistas, o proprietário do Az de Comer, alerta para a falta de iluminação e policiamento. «É que nem precisam de andar por aqui a pé. Bastava passarem de carro», frisa, acrescentando que é natural que os moradores comecem a ter medo. «Ainda hoje umas senhoras com alguma idade estavam a comentar isso. Já têm medo de andar sozinhas na rua. Tenho as garagens ali na outra rua, quando saio à noite com dinheiro, também tenho receio. Se me quiserem assaltar, o que é que eu faço? Não estou armado como eles», interroga. «Campo de Ourique é um bairro tão bom, tem um comércio tão saudável. É um centro comercial a céu aberto», descreve.
Mas, tal como referido, não são apenas os restaurantes, cafés e pastelarias que têm sofrido com os assaltos. Caminhamos até à Rua Francisco Metrass. No número 83, na loja Antimilk, é percetível que a montra está partida. O buraco encontra-se escondido por um grande cartaz. «Ainda aqui está o buraco!», diz Isabel Vasconcelos. O assalto aconteceu há 15 dias. «Houve um azar com a parte elétrica da grade de segurança. Colocámo-la porque já tínhamos sido assaltados. A menina que aqui estava não conseguiu descer a grade», detalha. «Eles partiram o vidro e tiveram de passar por uma pequena abertura. Está a ver? Quando eu soube até achei que ia chegar e ia haver sangue por todo o lado. Felizmente não. Eles devem ser muito magrinhos para conseguirem passar por aqui», acredita. «Sabemos que aconteceu durante a madrugada. Levaram o fundo de caixa e oito camisolas de lã caras. Acho que não conseguiram levar mais nada, o espaço do buraco por onde saiu e entrou não o permitia», explica.
No grupo de Facebook, ‘Campo de Ourique Bairro de Campeões’, este é um dos temas centrais das partilhas. Num dos comentários, uma funcionária do A Paródia – Cocktail Bar, alega que o espaço foi «alvo de intrusão», com ela lá dentro. O bar está a preparar-se para abrir portas e esta encontrava-se sentada ao computador. Segundo a mesma, eram cinco da manhã e a porta não estava trancada por dentro. «Dois indivíduos mandaram-se contra a porta do Bar, que abriu, e eles entraram», descreve. Felizmente, ao ordenar que saíssem, acataram a ordem. Seguiu-se vandalismo com grafites e mais uma tentativa de assalto, desta vez com um «pé de cabra». «Mas como eu estava lá dentro, acabaram por fugir. Ao mesmo tempo, estavam outros indivíduos a assaltar outros estabelecimentos no bairro. Isto está a ficar completamente descontrolado», lamenta, acrescentando que, desde então, que tem dormido no sofá do bar.
Resolução do problema
Interrogada pelo Nascer do SOL se já tomou conhecimento destes episódios, a Junta de Freguesia de Campo de Ourique admite que sim. «Infelizmente, temos assistido a uma sequência de pequenos furtos noturnos a estabelecimentos comerciais no bairro. Estamos a falar de vidros partidos e tentativa de furto das caixas registadoras, quase sempre envolvendo pequenos valores. Tem também sido reportado o furto de tabaco, quando presente. Mais do que os valores roubados, a situação é preocupante pelos danos causados nos estabelecimentos, e acima de tudo pelo acentuar da sensação de insegurança», lamenta. «De notar que, salvo um caso de um morador com um distúrbio psicológico que tentou assaltar uma farmácia com uma pistola de brincar, tendo na altura resultado em grande aparato policial, não temos relato de assaltos confrontacionais a estabelecimentos ou pessoas, apenas de furtos noturnos em estabelecimentos encerrados com recurso a arrombamento», assegura.
Sem-abrigo detidos
Para fazer face ao problema, esta garante que tem «monitorizado atentamente a situação, mantendo um contacto constante com a PSP, quer ao nível da esquadra de Campo de Ourique, quer ao nível da 4.ª Divisão». «A polícia dá-nos nota de que foram ainda esta semana efetuadas duas detenções, presentes a juiz, relacionadas com estes assaltos, que pela inépcia dos perpetradores tendem a ser facilmente identificados», adianta. «De acordo com as informações que nos foram fornecidas pela PSP, os suspeitos mais recentemente detidos seriam pessoas em situação de sem-abrigo, com pernoita habitual noutros pontos da cidade. Também já tivemos situações em que foram detidos residentes do bairro com histórico de consumo de estupefacientes. Em ambos os casos, tratando-se de pessoas desestruturadas da sociedade, as molduras penais, mesmo após uma primeira detenção, são muitas vezes insuficientes para dissuadir a reincidência, até ser aplicada uma medida de prisão efetiva. E mesmo essa, uma vez cumprida a pena, revela-se insuficiente caso não haja um acompanhamento que garanta uma reintegração efetiva», revela ainda.
Não obstante a atuação policial, a Junta diz ainda que tem desenvolvido esforços no sentido de maximizar a segurança nas ruas, fazendo um levantamento recorrente das luminárias fundidas e a sua identificação à Câmara Municipal, bem como das consolas de iluminação em falta na fachada dos edifícios, «que são muitas vezes retiradas aquando de obras de reabilitação dos mesmos sem serem posteriormente repostas, criando ilhas de escuridão». Além disso, o assunto tem sido abordado nas diversas reuniões com a Polícia de Segurança Pública, mas também tem sido tema em várias das Reuniões Públicas de Executivo, em contacto com a população. «A isto acresce o problema da crónica falta de efetivos das polícias, tanto a de Segurança Pública como a Municipal, que têm uma conhecida dificuldade em recrutar e colocar agentes em Lisboa, fruto dos preços da habitação não só na cidade, como em toda a área metropolitana. Aqui, (assim como no caso dos bombeiros, professores, etc) soluções de habitação a renda acessível são fundamentais para garantir que conseguimos ter efetivos policiais em número suficiente para garantir a segurança da nossa Cidade», explica a Junta de Freguesia de Campo de Ourique.