A eutanásia ou aquele empurrãozinho da ponte

Desistir de uma pessoa que desistiu de si mesma, não a ajudamos: empurramo-la para o abismo…

Bon Jovi gravava um videoclip em Nashville no passado dia 10 de setembro (curiosamente, o mês Nacional da Prevenção do Suicídio) quando ao atravessar uma ponte pedonal se apercebe de uma senhora que se prepara para cometer suicídio, saltando da ponte. Imediatamente, ele e uma assistente de produção que o acompanha se dirigem ao local e, conversando com a senhora, conseguiram demovê-la. Ajudaram-na, depois, a passar a grade de proteção para o interior e ficaram ali algum tempo; deram um abraço e os três seguiram caminhando juntos. Isto é o que se vê nas imagens disponibilizadas pelo Departamento de Polícia local. Todos concordariam que foi uma bela ação, não? Não.

Imaginemos agora o seguinte: a senhora estava do lado de fora da proteção, claramente preparada para se suicidar, alguém que ia a passar na ponte, ao ver a senhora, dirige-se para lá, pensando: «Tenho de ajudar esta senhora…». Até aqui, podia ser Bon Jovi ou a sua assistente. No entanto… ao chegar, saúda-a e diz: «Vejo que quer suicidar-se, mas não está a conseguir fazê-lo. Não se preocupe, eu ajudo-a! Basta que solte as mãos do corrimão, eu dou um suave e indolor empurrãozinho; e já está. Tenho gosto em ajudá-la a ter a morte que deseja; é mesmo meu dever; eu apenas respeito a sua liberdade, ajudando-a a alcançar o seu objetivo. Agora, as mãozinhas, por favor…».

Por muito que um defensor da eutanásia possa argumentar com subtilezas e minudências, sempre se tratará disto: desistir de uma pessoa que desistiu de si mesma, não a ajudamos: empurramo-la para o abismo, confirmamos que ela tem razão, que ela não vale nada, que não vale a pena continuar. Desistimos dela e, com isso, reforçamos a sua desistência. Chegados, como sociedade, a este ponto, estamos a regredir à inumanidade, à indiferença (aquela que também se vê nas imagens que refiro acima, a das pessoas que passam, olhando de soslaio para a pobre senhora, como se quilo não lhes dissesse respeito: mas diz, sim!). Mesmo que sob uma capa de palavras como ‘compaixão’ ou ‘dignidade’, a crueza do facto da eutanásia revela o que as palavras querem esconder: aquela pessoa não tem valor intrínseco. Quando vemos nas imagens a aparente facilidade com que a senhora foi demovida, isso dá-nos uma mostra de como ninguém realmente deseja morrer; são as condições em que está que a constrangem a isso e, por essa razão, era neste ponto que tudo se deveria concentrar.

É absolutamente necessário que a sociedade regresse aos seus elementos fundacionais, para voltar a ser uma civilização e não apenas uma ‘sociedade’, um aglomerado de pessoas juntas por razões utilitárias, como peças de máquina substituíveis quando já não ‘servem’. Que elementos são estes? São cristãos. Só aí encontramos as noções que foram moldando a Europa e daqui foram levadas a todo o mundo. A noção da dignidade intrínseca de cada pessoa, independentemente da sua condição ou do estado em que está foi ensinada por Cristo e permeou todo o Direito; o mundo foi embebido por esta noção de tal forma que a toma por natural, julga-a uma condição natural da humanidade… Todas as sociedades, de uma ou outra forma, tinham uma ‘moral natural’, mas muitas vezes bastante deturpada. No entanto, a ‘moral sobrenatural’, essa, veio de Cristo e só dele. Um exemplo: amar os amigos ou a família é um preceito natural, universal, mas amar os inimigos (Mt 5, 43-36) é um preceito sobrenatural que cristaliza no preceito de amar o pecador mas detestar o pecado, quer dizer, amar a pessoa independentemente da sua condição. O amor à pessoa, como Jesus o ensinou, é incondicional, porque o seu fundamento é o amor infinito de Deus pelas suas criaturas. Esta é uma conversa que não agrada a uma sociedade quase inteiramente degradada em materialista, mas a sede que vemos na geração mais jovem – ainda quando procurando em locais errados –, essa sede, mais tarde ou mais cedo, reconhecerá o único local onde poderá ser saciada, porque a sua alma embora clame por absoluto, não sabe onde o encontrar. Como diz a frase lapidar de Santo Agostinho no início das Confissões: «Senhor, criaste-nos para ti, e o nosso coração não tem paz enquanto não repousar em ti».

É fácil argumentar que não estamos à altura daqueles preceitos; isso é evidente: não estamos àquela altura; mas é nessa direção que devemos olhar. A civilização cristã não foi perfeita, longe disso, mas o que teria sido o mundo sem ela?