O termo «extrema-direita» só é consensual quando nos referimos ao local onde os deputados dos partidos assim classificados se sentam no parlamento. Nos nossos dias, não há formação política que se reclame de extrema-direita, mas esta classificação é usada recorrentemente, seja pelos inimigos à esquerda, como insulto, seja pela Imprensa, como alerta para uma ameaça.
O objectivo fundamental é associar estes partidos aos fascismos europeus do século XX, ainda que em muitos casos nada tenham que ver com estes. Veja-se o caso do FPÖ, o Partido da Liberdade da Áustria, que certas notícias sobre os resultados das eleições legislativas deste ano recordavam ter sido «fundado por antigos nazis». Mas que interessa verdadeiramente para a política actual? Não interessará mais o facto de o FPÖ ter nascido em 1956, mais de uma década após o fim da Segunda Guerra Mundial? Ou melhor, que o partido chegou a apoiar o chanceler social-democrata Bruno Kreisky, em 1979, ou que formou uma coligação governamental com o SPÖ, de esquerda, em 1983, que levou o líder do FPÖ de então, Norbert Steger, ao cargo de Vice-Chanceler?
Podem ser pormenores históricos que não fazem vender jornais, mas que informam seriamente. Foi Jörg Haider que marcou uma viragem do partido à direita e, depois de formar um governo de coligação com os conservadores do ÖVP no Estado da Caríntia, em 1989, o FPÖ formaria uma coligação governamental com o ÖVP, que se repetiria na legislatura seguinte, entre 2002 e 2005. Depois de mais de uma década na oposição, durante a qual enfrentou a cisão protagonizada por Haider com a criação de um novo partido, o BZÖ, o FPÖ voltaria ao Governo em coligação com os conservadores e o seu presidente, Heinz-Christian Strache, seria Vice-Chanceler, em 2017.
Mais do que fantasmas do passado, é o percurso do FPÖ que mais importa para a análise política do futuro próximo da Áustria. Será que agora, que o partido ganhou pela primeira vez umas eleições legislativas, o seu líder, Herbert Kick, chegará a Chanceler? O problema é que as negociações estão a ser muito difíceis, tanto pela oposição à esquerda como pelas exigências dos conservadores.
O exemplo austríaco demostra que mesmo partidos com uma longa história de participação democrática e governamental são tratados como párias.
Há muitos exemplos semelhantes na Europa e o seu crescimento eleitoral fez apenas aumentar as críticas e a intolerância. São os que querem tratar estes partidos como marginais e há mesmo quem não resista a gritar que assistimos ao «regresso do fascismo»!
Obviamente que tal alarme não tem qualquer sentido. Além de o fascismo ser um fenómeno político historicamente localizado, convém salientar que os partidos de direita nacional que hoje colhem cada vez mais apoio popular não querem uma alteração de regime, defendendo acerrimamente a democracia.
Questionado sobre o assunto numa entrevista ao diário italiano La Verità, o politólogo Marco Tarchi afirmou: «Aplicar aos partidos nacional-populistas o rótulo de extrema-direita, ou de ultradireita (que tem uma ressonância muito semelhante), é uma escolha política que tende a desqualificar estes sujeitos, que nada têm que ver com nostalgias fascistas ou neonazis. Por um lado, há uma aceitação total dos princípios e das regras da democracia; por outro, uma rejeição ideológica, se não também prática. Há 25-30% da opinião pública europeia que simpatiza com estas formações, porque já não tolera os fracassos políticos e sociais dos governos de centro-direita e de centro-esquerda. Esperar mantê-las à margem, com cordões sanitários e discriminações institucionais parece uma manobra de desespero.»
De facto, desespero é o que mais se vê nos actuais políticos europeus que temem as escolhas dos seus próprios cidadãos. E o desespero nunca foi bom conselheiro na decisão.