Mais uma vez, este assunto vem à baila e, tal como tantos outros assuntos, mais uma vez, fala-se muito para, de seguida, tudo rapidamente se esquecer e ficar na mesma. Certamente o leitor lembra-se dos dois anos da Pandemia e da “falta de condições do Lares” e das promessas que tudo seria diferente: alteração da legislação, maior comparticipação do Estado para que houvesse mais e melhores condições, nomeadamente que se pudesse contratar mais recursos humanos, sobretudo ao nível da saúde como sejam médicos e enfermeiros. O que se fez de então para cá? Nada.
Recordo uma IPSS no Alentejo onde morreram vários idosos, em que houve uma série de acusações de maus-tratos, falta de condições, etc. Recordo-me também de, numa televisão, um comentador dizer: “como é possível uma instituição que recebe 4 milhões de euros por ano do Estado e não ter dinheiro para contratar um médico?” Como é hábito nestas coisas, facilmente alguns jornalistas e comentadores entram na demagogia fácil, umas vezes por ignorância, outras porque vão na onda da crítica fácil sem se darem ao trabalho de perceber as causas dos problemas – que é o que eu vou tentar fazer, quer neste primeiro artigo sobre o tema, quer no segundo artigo em que falarei sobre a falta de aposta dos Governos para resolver estes problemas. Falarei também na questão dos recursos humanos. Será mais uma tentativa de colocar a sociedade a discutir seriamente os problemas dos idosos bem como os problemas da saúde e da acção social em geral.
Nesse sentido, gostava de dizer que uma IPSS, mesmo que por ano receba 4 milhões ou 40 milhões, o dinheiro pode não chegar para que esta cumpra sequer o quadro legal a que está obrigada. Não é uma questão de números, que por vezes impressionam pela grandeza, é mesmo uma questão de escala dessa IPSS e se o dinheiro é suficiente, ou não. Importa dizer que os Governos anteriores aumentaram em muito os custos das IPSS, mas não lhes proporcionaram a receita suficiente, logo muitas entraram em défice e não conseguiram fazer bem o seu trabalho por falta de condições materiais e humanas.
Face à legislação, os Lares (não sendo unidades de saúde) não são obrigados a terem profissionais de saúde nalguns casos e noutros apenas pontualmente. No entanto, muitos Lares de idosos em Portugal são verdadeiras Unidades de Cuidados Continuados, mas sem terem condições para tal pelo que, por vezes, as coisas correm mesmo mal. Se é certo que 1/3 das pessoas que estão internadas na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) já tiveram alta e estão lá a ocupar camas indevidamente, também é certo que existem muitos idosos em Lares que deveriam estar na RNCCI, avaliação que continua sem ser feita para se saber ao certo o número de idosos nestas circunstâncias.
Isto acontece porque, em Portugal, não há Lares suficientes para as necessidades. Os Lares Privados, de qualidade, são muitos caros. Os Lares das IPSS são insuficientes. A maioria funciona bem, mas existem outros que funcionam de forma deficitária, pelas mais variadas razões, sendo que a principal, insisto, se deve ao facto de o Estado não pagar o suficiente – situação que causa problemas graves de funcionamento. Só que, neste caso, não se fala desta causa pois é sempre mais fácil culpar quem lá trabalha ou quem dirige e não quem tem responsabilidades Legislativas e de Governo. Razão pela qual, muitas pessoas, desesperadas, colocam os seus familiares em Lares Privados ilegais (em muitos casos “empurrados” deliberadamente por profissionais dos hospitais para libertar camas). Destes, alguns são “aceitáveis” e muitos tentam a legalização, por vezes não conseguindo por pormenores, sem aparente importância, mas que não cumprem a legislação. Outros, por puro negócio em que o que importa é ganhar dinheiro às custas da má qualidade dos serviços e, noutros casos, a crimes claros cometidos contra pessoas. Gostava ainda de referir que visitei há alguns anos um lar gerido diretamente pelo Estado e não era melhor que muitos dos piores lares ilegais; talvez o Estado devesse aplicar a si próprio o que exige aos outros e punir de igual forma os responsáveis por estas situações.
E porque existem Lares ilegais? Pela mesma razão que noutros sectores de actividade alguns empresários vigarizam pessoas e empresas, fecham o negócio e abrem outro “ao lado”. Fecham-se os Lares ilegais (e outros negócios) mas depois nada impede os proprietários de continuarem as suas vidas a enganar e maltratar outros. Ou seja, em Portugal o crime compensa.
Até quando aceitamos isto?
Presidente da Associação Nacional dos Cuidados Continuados