3 mil Lares de Idosos Ilegais em Portugal (2) existem por culpa dos governos

Fico indignado quando, por vezes, surgem notícias fugazes sobre um Lar de uma IPSS em que aconteceu algo, ou funciona mal, mas não se discute porque é que tal aconteceu

Começo por onde terminei. O crime compensa para quem tem negócios ilegais em Portugal pois não há legislação que impeça as pessoas de continuarem a fechar e abrir empresas, além de que não são punidas severamente pelos crimes que praticam, ou nem são punidas de todo. Acresce que a resposta pública (sendo a maioria delegada nas IPSS) é insuficiente. E a culpa disto é dos Governos e Assembleia da República, que, por um lado, não legislam para acabar com isto, e, por outro lado, não criam um número de Lares suficiente nem dão as condições financeiras necessárias para que os existentes cumpram bem o seu papel.

Fico indignado quando, por vezes, surgem notícias fugazes sobre um Lar de uma IPSS em que aconteceu algo, ou funciona mal, mas não se discute porque é que tal aconteceu. Regra geral ficamos sempre sem saber. E, na raiz, do problema está precisamente a culpa dos Governos.

A população está mais idosa, vive mais anos. Destes idosos há cada vez pessoas mais dependentes que precisam de terceiros para as necessidades mais básicas da vida diária como seja comer, tomar banho, vestir-se. Para cuidar destas pessoas, com qualidade, é necessário em primeiro lugar dinheiro. É com ele que se contratam recursos humanos em quantidade e qualidade, que se tem infraestruturas condignas, bons equipamentos, além de bens e serviços igualmente de qualidade. No entanto, os Governos pagam muito pouco às IPSS. Não pagam sequer o suficiente para que estas cumpram o quadro legal (pouco exigente) quanto mais para dar uma boa qualidade no atendimento aos idosos.

Sou Licenciado em Recursos Humanos. Entre muitas coisas, ensinaram-me a importância do recrutamento e selecção de pessoas. Mas, atualmente, isso não existe. O primeiro a chegar e dizer que está disponível para mudar fraldas e dar banho a adultos entra imediatamente, tal é a falta de pessoas que queira trabalhar no sector social. E porquê? Porque os salários são miseráveis, trabalha-se 40h por semana, ou mais, por turnos, folgas rotativas, de noite, fins de semana. Falta material e boas condições de trabalho em muitos sítios. Ou sejam, não é atractivo.

Muitas pessoas trabalham nestas áreas apenas enquanto não têm alternativa. Mal surge uma oportunidade de trabalho mais fácil e/ou a ganhar mais, saem. Por vezes, há IPSS com equipas incompletas por falta de recursos humanos, logo há falta de vigilância e prestação de bons cuidados. Por vezes, as coisas correm mal devido a isto. E, lá está, aparece a tal noticia a culpar alguém, mas nunca os Governos que são os principais culpados desta situação. E que dizer de pessoas que se mantêm nas IPSS e trabalham de forma medíocre ou mesmo mal? Já ouvi muitos dirigentes dizer “sei que trabalha de forma medíocre, mas se eu despeço depois não tenho ninguém para substituir”. Noutras situações quer-se despedir, mas é muito difícil face a uma legislação que cada vez mais dificulta o processo. A lei laboral é igual para todos. Mas não devia ser. Trabalhar com pessoas não é igual a trabalhar com máquinas e devia ser mais fácil despedir neste sector, períodos experimentais mais longos, mais renovações de contratos.

O Governo anterior lançou o Programa PARES para construir mais Lares de Idosos, mas o Programa começou logo mal (incompetência? de propósito?) pois a verba a fundo perdido foi calculada com base num custo m2 completamente irrealista pelo que representou apenas 30% do que a obra verdadeiramente custa. Muitas IPSS foram, assim, aliciadas e, já depois de assinarem contratos, desistiram, pois viram os concursos públicos ficarem desertos. Algumas, apesar de tudo, avançaram e estão com enormes dificuldades financeiras, sendo que uma delas é o PARES andar com uma “lupa” a ver se alguma IPSS se enganou no mais ínfimo pormenor na contratação pública para lhes cortarem as poucas verbas a fundo perdido. Talvez a ideia seja que muitas desistam e não avancem para a concretização destes equipamentos sociais (como forma de poupar dinheiro) que tanta falta fazem. Sinceramente não sei, apenas constato a realidade do que se passa. Como é hábito em Portugal não se sabe quantas desistiram e quantas avançaram, pois, os dados não são tornados públicos.

Há mais de uma década que não se abrem vagas em apoio domiciliário nos Concelhos mais populosos, como é exemplo Sintra, não se entendendo porquê, pois além de mais barato, ajudava a manter no domicílio muitos idosos evitando a institucionalização.

Na Rede de Cuidados Continuados passa-se o mesmo com a falta de financiamento adequado (que já levou ao encerramento de 307 camas em 3 anos), falta de Recursos Humanos, pessoas internadas que poderiam estar em casa ou em Lar de Idosos, abrindo assim vagas para quem aguarda nos hospitais (e que por sua vez ocupa uma cama hospitalar de quem precisa).

Ou seja, tudo problemas em cadeia originados pelos mesmos motivos: financiamento desadequado e falta de investimento em mais equipamentos sociais e de saúde. Nem o PRR nos vai salvar e mais uma vez vamos perder centenas de milhões de euros a fundo perdido por incapacidade de executar. O PRR para os Cuidados Continuados tem de ser executado até 31/12/2025. Partindo do princípio que poderá ser adiado até 31/08/2026 – prazo final do PRR em geral, mesmo assim não creio ser possível executar. À data em que escrevo ainda nem sequer saiu o relatório final da Região de Lisboa e Vale do Tejo (só esta região tem metade das camas totais previstas), muito menos a assinatura do contrato, pois só depois de tal acontecer é possível lançar concurso público. Como se faz uma obra em tão pouco tempo? Não faz. Mas o Governo anterior não quis saber e este, apesar de no discurso ter pressa, na prática não há pressa.

E assim vai Portugal. Não planeamos, não nos organizamos. Costuma-se dizer que navegamos à vista. Oxalá fosse verdade pois infelizmente nem isso nós fazemos, é mesmo navegar de olhos vendados.

Triste país este em que nos tornámos e teimamos em manter.

Presidente da ANCC