A Europa e o mundo vivem tempos conturbados deinquietação, incerteza e acelerada mudança, que vão exigir competência e decisões informadas. Por isso, é inaceitável acrescentar instabilidade política à complexidade dos desafios que enfrentamos, cujos efeitos não foram plenamente revelados.
Na análise do estado da arte da política são evidentes os delírios de certos atores políticos, que nos conduzem a debates constrangedores, sem capacidade de dialogar com civilidade num circo mediático degradante. E, tal como enfatizava Maquiavel, não olham a meios na luta desenfreada pelo poder.
A política exige confiança, lealdade e respeito onde os compromissos são vitais. A sobrevivência da classe política depende da ética e ponderação, tendo em vista o bem público. No entanto, muitos fazem-se escutar como oráculos da sabedoria, preferindo massajar os egos em vez de servir a causa pública.
Os sucessivos governos e órgãos de soberania deviam redirecionar esforços para um projeto que mobilize a sociedade, abandonando a politiquice, que degrada a democracia, descredibiliza a política e conduz à ingovernabilidade. Alguma elite política insiste na hipocrisia e na mistificação ancoradas na retórica discursiva arrogante, na propaganda com sofisma e na prepotência.
Nas últimas décadas a disrupção causada por resgates, pela subversão de resultados eleitorais, em 2015, e pelos efeitos das sucessivas crises, resultou em empobrecimento, degradação das instituições e empresas exauridas. Sendo que os governantes relevaram falta ambição, pensamento estruturado e visão estratégica, ignorando os desafios de segurança, estratégicos e económicos.
A acção políticatem sido marcada por decisões com opções políticas e prioridades sem critérios aceitáveis, sem planeamento estratégico e inexistência da dimensão dos padrões de compliance e accountability.
A marca indelével dos governos socialistas são três bancarrotas e o País atolado em pântanos com gestão orçamental repleta de artifícios, cujos resultados desastrosos evidenciam e os portugueses sentem. Acresce o pesado legado do costismo enraizado no pungente laxismo e incompetência, na degradação institucional, na polarização e na fragmentação do sistema político, que vai continuar a perseguir o nosso destino.
A instabilidade é da responsabilidade dos reféns da partidocracia e da demagogia, que distorce o regime democrático e favorece o crescimento do populismo – não exclusivo da extrema-direita -numa época marcada pelo domínio do diletantismo, que se traduz na incapacidade de afirmação do interesse público. Platão, advertia que as democracias sucumbem à demagogia e passam da anarquia à inevitável tirania.
A propósito da absurda dicotomia entre a esquerda e direita não faz sentido reivindicar ou impingir o que é melhor para a vida dos cidadãos, provocando a erosão da ponderação. A política, pela sua natureza, gera divergências profundas e dogmas, que só a moderação com pragmatismo pode reduzir através do diálogo.
O debate público, antes baseado na racionalidade, foi substituído por retórica inflamada e acrimónia, alimentada pela verborreia que satisfaz a voracidade da infobesidade e da agenda mediática. Infelizmente vemos proliferar comentadores iníquos ou jornalistas que querem ter influência política, políticos que se transformam em comentadores e comentadores de serviço com ambições políticas.
Tudo isto evidencia um claro défice de maturidade dos agentes políticos. Mas mais preocupante é o “défice de alma” da sociedade, apática e pouco exigente no escrutínio político. Se o País continuar órfão dos valores do patriotismo, do civismo e sem alternativas, restará seguir o caminho de Eça de Queirós: “continuar a mendicidade por essa Europa fora, esperando que outros nos governem e alimentem”.
Neste contexto, o alarido em que se transforma anualmente o debate sobre o Orçamento de Estado (OE) com dramatização de crise política é mais uma farsa que não dignifica nem serve a democracia. É apenas um exercício divertido para comentadores sem conhecimento técnico, que não deviam replicar o ruído.
As guerras ideológicas, com argumentos extremados, em nada vão contribuir para o desenvolvimento. Urge recentrar o debate no que é estruturante e estrategicamente decisivo para Portugal. A realidade vai acabar por se sobrepor à fantasia. E como dizia o perspicaz Cavaleiro Oliveira é necessário dar crédito e autoridade à razão para que o acaso se não constitua soberano.
O crescimento da economia, os desafios da competitividade, da produtividade e do investimento não são de esquerda nem de direita; são a racionalidade dos números num quadro macroeconómico, que só faz sentido com políticas públicas adequadas e exequíveis. E exige bom senso com entendimento dos agentes políticos.
Infelizmente o OE é apenas um instrumento, que serve para cobrar impostos e distribuir receitas numa economia débil. E procura fazer a quadratura do círculo com aumento das dotações pelos sectores do Estado, das remunerações pelas classes profissionais, das pensões, fazendo crescer a despesa pública e reduzindo impostos directos para aumentar mais os indirectos.
O certo é que há décadas não temos um orçamento de rutura com o passado nem perspectiva estratégica, no medio e longo prazo, não sendo crível que venha a ser muito atrativo para o investimento, as empresas e o crescimento económico sustentado.
O que verdadeiramente interessa é escrutinar a execução orçamental para minimizar exercícios contabilísticos criativos como as cativações, suborçamentação, débil investimento e improviso, que o PSD criticava na oposição, mas vai prosseguir neste OE. PS e PSD dizem uma coisa na oposição e fazem outra na governação. É assim que se perde a credibilidade. E depois não se queixem dos populismos e da democracia!
O tom despeitado do líder do PS (PNS) em relação à direita e à esquerda salvífica, revela sua essência de burguês radical, desprovido de autoridade para vilipendiar a direita. O estilo truculento e arrogante revela intolerância preocupante. Com a sua estratégia errática, expôs a insegurança ao subestimar as propostas do Primeiro-ministro, que está a ser um político mais eficaz do que se esperava.
PNS é um homem de convicções, sem habilidade política, e especialista em erguer muros, ao contrário de Costa que derrubava muros sem convicções, mas era habilidoso na politiquice. Infelizmente, é impulsivo mesmo que diga não o ser, e tende a falar com crispação antes de pensar. Seria avisado adoptar uma postura menos dependente da sua imponente líder parlamentar. O problema central reside no facto de socialistas influentes terem pressionado publicamente PNS para viabilizar o OE e a sua incapacidade de lidar com críticas, tentando silenciar vozes discordantes. Alguém vai ter de “sair do pedestal”!
A oposição, por sua vez, esgotou a paciência dos eleitores. Em vez de debater o conteúdo do OE, desviaram-se para questões de método e ataques pessoais, com proverbial imaginação e exibindo uma atitude infantil marcada pela frustração. O “espetáculo vergonhoso” de cavar trincheiras ao tentar lançar anátemas revela desorientação política. E talvez seja hora da “guarda pretoriana” para o que der e vier!
Parafraseando PNS, o povo está-se “marimbando” para o costismo, que assaltou o poder com truques e sofismas, ancorados em encenação e vitimização, promovida pela central de comunicação socialista.
O povo, porém, não se está “marimbando” no manto da hipocrisia que esconde a verdade e revela a falsidade num Estado caótico refém de um partido nepotista, que se traduz na decadência do País. PNS sabe que o povo tem “a bomba atómica”, que pode usar se continuarem com as novelas do orçamento e da politiquice. E “ou os senhores se põem finos” ou as pernas de alguns não vão parrar de tremer.
Capitão-de-fragata (Reforma)