Alcoentre: A vila que balança entre o sensacionalismo e as reais prioridades. 

Comparando a atenção mediática recebida pelos episódios como a fuga de prisioneiros com a dada a problemas estruturais e de saúde pública, torna-se evidente um desequilíbrio gritante.

Alcoentre tem sido recentemente catapultada para o centro das atenções mediáticas pelos piores motivos, é sabido. Bem, não é de admirar que até Fábio Cigano hesite em ser extraditado, não por receio da justiça, mas talvez por medo das linhas de muito alta tensão, dos assaltos constantes ou, quem sabe, da falta de um centro de saúde decente. 

A dramática fuga de reclusos do Estabelecimento Prisional de Vale dos Judeus e a preocupante onda de assaltos (violentos e em plena luz do dia) têm sido amplamente noticiadas. Mas como não? O posto da GNR mais próximo é noutra freguesia (em Aveiras de Cima) a mais de 10km, e a segurança dos estabelecimentos prisionais é deficiente, como se tem visto. Quer parecer que não sai quem não quer. Contudo, enquanto os holofotes se mantêm focados nestes episódios, questões de vital importância para os habitantes locais continuam a ser relegadas para segundo plano, ficando na sombra. 

Uma das preocupações mais graves é a ausência de um centro de saúde em Alcoentre, já tinha lido sobre isto? Numa vila com uma população predominantemente envelhecida, a falta de acesso a cuidados de saúde próximos constitui um problema urgente. As promessas de início das obras para 2025, apesar de serem um sinal positivo, nem são novas, nem chegam a tempo de aliviar o sofrimento de muitos habitantes que, dia após dia, se veem obrigados a percorrer longas distâncias para obter cuidados médicos básicos. Esta realidade é uma clara violação do direito à saúde, especialmente num tempo em que a saúde pública deveria estar no topo das prioridades. Ademais, a questão das linhas de muito alta tensão (LMAT) que atravessam a aldeia de Casais das Boiças permanece uma fonte de angústia para os residentes. Apesar de já não haver planos para novas linhas, as duas já existentes pairam sobre as suas cabeças (literalmente atravessando telhados residenciais), trazendo consigo uma sombra de incerteza e medo. O barulho e as faíscas destes colossos de metal assolam todos os que por baixo deles vivem. Não é brincadeira, a exposição prolongada a campos eletromagnéticos levanta sérias preocupações de saúde, que não podem ser desconsideradas ou minimizadas. Os moradores vivem sob um constante estado de apreensão, temendo pelas suas vidas e pelas vidas das suas famílias. Os testemunhos de problemas de saúde disso decorrentes não poderiam ser menos. 

Comparando a atenção mediática recebida pelos episódios como a fuga de prisioneiros com a dada a problemas estruturais e de saúde pública, torna-se evidente um desequilíbrio gritante. Os acontecimentos sensacionalistas, por mais perturbadores que sejam, não representam a batalha diária e silenciosa que os habitantes de Alcoentre enfrentam. Parece-me crucial que os meios de comunicação social e as autoridades locais redirecionem o seu foco para as verdadeiras necessidades da comunidade. 

A construção do centro de saúde não pode ser vista como um projeto a longo prazo; é uma necessidade urgente que deve ser tratada com a máxima prioridade. As preocupações relativas às linhas de alta tensão devem ser abordadas e corrigidas com medidas concretas e reais que assegurem a saúde e a segurança dos habitantes. A transparência e a seriedade nas ações são fundamentais para restaurar a confiança da população e garantir o seu bem-estar, que não tem preço nem deveria ser fungível. Além disso, é fundamental que as autoridades e os representantes da comunidade se envolvam num diálogo aberto, real e transparente com os habitantes sobre os riscos associados às linhas de muito alta tensão, que parece ser assunto banido a segundo plano. A implementação de medidas preventivas, como a criação de zonas de segurança, o desvio das linhas e a realização de estudos de impacto ambiental, pode ajudar a mitigar os medos e garantir que a saúde pública não seja comprometida. 

Alcoentre precisa de uma transformação profunda que vá além das manchetes sensacionalistas. É imperativo reconhecer e agir sobre as necessidades reais dos seus habitantes, por uma vila onde a qualidade de vida, a segurança e o cuidado com a saúde sejam as verdadeiras prioridades. Num Portugal em 2024, todos merecemos um lugar digno e saudável para viver. Afinal, é o que esta comunidade, com a sua história e resiliência, verdadeiramente merece. E, claro, enquanto aguardamos pelas obras do centro de saúde, talvez possamos sugerir que os reclusos em fuga se voluntariem para ajudar na construção a troco de amortização de penas. Afinal, se conseguem escapar de uma prisão de alta segurança e sabem onde arranjar escadote, certamente têm habilidades úteis para acelerar o processo! 

Entre Tanger e Alcoentre, afinal, quem pode culpar o Fábio por querer evitar tais infortúnios e ter dado à sola?