A Polícia é racista! – Olhe que não… Ódio ao ódio

Afinal, ser polícia nunca é fácil em tempo algum e gera sentimentos paradoxais, por isso o exercício da função policial pertence ao Estado; nem há outro caminho.

Recentemente, numa televisão nacional, sem pudor algum, alguém comentou num sumário juízo: “A polícia é racista!”

Eia, pois, a desonestidade intelectual elevada ao nirvana demagógico. Porém, em democracia, até a asneira vive em liberdade; resta repor a verdade, mãe da dignidade.

Diante essa azoada, agradeci à liberdade, por viver em Portugal, terra de Abril, senão ardia na fogueira da Inquisição, só por ser polícia, como outrora meus antepassados.

Recordei então as palavras de Victor Hugo: “Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo á Europa. (…) Morte á morte! Guerra á guerra! Odio ao odio! Viva a vida. A liberdade é uma cidade imensa, da qual todos somos cidadãos.” (Carta de 02/07/1867. Diário de Notícias, n.º 746, de 10/07/1867, Lisboa).

As pessoas são cidadãs, dotadas de dignidade, base dos direitos humanos. Por ser assim, diariamente, os polícias, homens e mulheres, dão o seu melhor no policiamento em prol da cidadania, seja em Portugal, seja em tantas partes do mundo, às vezes com sacrifício da própria vida.

Quem comenta que a “policia portuguesa é racista”, só manifesta um racismo primário de teor profissional, o racismo anti-policial. Como cidadão e profissional, recuso ser taxado de cidadão de segunda; como cidadão e profissional, não aceito, igualmente, que a polícia trate alguém como cidadão de segundo: assim como trato, assim exijo ser tratado – eis a melhor escola da vida, expressa na regra evangélica: “o que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles” (Mateus 7:12). Esta é a herança de Abril à polícia e a PSP a tomou como sua, integralmente.

Anualmente, a PSP regista quase 2 milhões de interações com os cidadãos. E nenhuma denúncia de prática policial indevida fica por investigar e, se provada, por sancionar, além da necessária revisão de procedimentos operacionais, quando tal se impõe: na PSP aprende-se com o erro, de modo a não suceder mais – é uma organização aprendente (assim o exige a dignidade humana), daí o enorme esforço posto na formação e na certificação, nomeadamente no recurso ativo a arma de fogo.

Pura verdade, na PSP vigora a tolerância zero ao racismo, desde o tempo em que a atual Ministra da Administração Interna, juíza conselheira Margarida Blasco, era Inspetora Geral da Administração Interna. Aliás, durante os sete anos que dirigiu a Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI), nunca pactuou com qualquer ato de racismo ou descriminação das forças de segurança – fez do princípio um valor arreigado na ação policial. Nem podia ser de outro modo.

Hoje em dia, a PSP afirma-se como polícia cívica, democrática e integral, atuante em 4% do território nacional e abrangendo 65% da população, cujo corpo de pessoal integra homens e mulheres, cerca de 20 mil, provenientes de variados estratos sociais e origens étnicas.

Classificar a polícia de racista ofende, assim, todos os polícias, sobretudo os afrodescendentes: na polícia somos todos polícias e cidadãos e na ação policial só se distingue entre quem cumpre a lei e quem a infringe; se não for assim, não se é polícia, viola-se o juramento e incumpre-se a lei.

Na vida não vale tudo, muito menos erguer muros entre cidadãos e polícias, alimentando discursos de ódio à sombra do racismo.

Do meu lado, espero não voltar a ver numa manifestação o cartaz: “um polícia bom é um polícia morto” (Porto – 06/06/2020). Isso só alimenta o extremismo dispótico.

O que diriam, hoje, os pais da Revolução Francesa (1789)?

Eles consagraram a existência da polícia como garante da liberdade e da segurança (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Paris, 1789), com projeção na Constituição da República Portuguesa.

Contudo, há virtude nessa imputação inverídica: obrigar a sonhar com uma polícia mais perfeita: sonhar e nunca ficar aquém. E já o faz a atual Ministra da Administração Interna ao pugnar pela revisão do modelo de formação das forças de segurança, não só inicial, como ao longo da carreira; a mudança começa sempre pela formação, para que as forças de segurança sejam, cada vez mais, polícias de direitos humanos de todos os cidadãos, mesmo todos, como ensina o Papa Francisco.

Os polícias devem ser representativos da sociedade que servem. Assim sendo, a PSP esforça-se para ter no seu seio uma representatividade de todo o estrato populacional português – um desafio a vencer no porvir próximo, com o apoio das comunidades locais, a par do incremento da feminização do aparelho policial. Simultaneamente, a PSP mantém a tolerância zero a qualquer manifestação de discriminação na ação policial.

Tudo isso sucede, porque, no Estado de Direito democrático não há alternativa à polícia, apenas subsiste e bem uma maior exigência cívica de melhor polícia, distinta do ódio anti-polícia. Ademais, a cidade não comporta nenhum espaço sem lei, nem muros entre bairros, por afrontar a cidadania.

Afinal, ser polícia nunca é fácil em tempo algum e gera sentimentos paradoxais, por isso o exercício da função policial pertence ao Estado; nem há outro caminho.

De resto, é sonhar e ousar a ir além… inspirados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Lisboa, 27/11/2024.

Pedro Clemente

Docente universitário

Superintendente chefe