Neste mês de atribuição do Prémio Nobel, que este ano reconheceu, respetivamente na Física e na Química, o desenvolvimento de métodos que estabeleceram as bases da IA e a aplicação desta na previsão da estrutura de proteínas, gostaria de recordar Niels Bohr (1885-1962). Laureado com o Nobel da Física de 1922 pela sua «investigação da estrutura dos átomos e da radiação que deles emana», Bohr foi essencial para a nossa compreensão do mundo.
Em 1913, este físico dinamarquês – filho de Christian Bohr, um professor de fisiologia da Universidade de Copenhaga que, em 1904, descobriu que a afinidade da hemoglobina para o oxigénio é inversamente proporcional à acidez do sangue – descreveu o átomo como um núcleo positivo rodeado por eletrões a orbitar em níveis de energia específicos, podendo absorver ou emitir energia ao mudarem de órbita. Tratou-se da primeira integração da teoria quântica, iniciada pelo alemão Max Planck, em 1900, com a física atómica. É verdade que, graças às contribuições de outros cientistas, como Paul Dirac, Erwin Schrödinger e Werner Heisenberg, o modelo atómico de Bohr seria suplantado pelo atual modelo quântico – os eletrões não descrevem órbitas em torno do núcleo, sendo antes descritos por orbitais, isto é, as regiões onde a probabilidade de os encontrar é maior –, mas as contribuições do grande físico para a teoria quântica não cessariam.
Honrarias também não lhe faltaram, incluindo o convite para viver na mansão Carlsberg, a luxuosa residência de Jacob Christian Jacobsen (1811-1887), fundador da conhecida fábrica de cerveja. Jacobsen estipulara que, após a morte do filho, Carl, a mansão serviria de residência honorária para alguém, homem ou mulher, que se destacasse pelos serviços prestados à ciência, à literatura ou à arte. Desde 1932 até ao fim dos seus dias, foi lá que o físico viveu com a mulher, Margrethe. Conta-se que existia uma canalização entre a fábrica e a mansão, que permitia que o casal apenas tivesse de abrir a torneira para obter a dourada bebida. O Arquivo Nacional Bohr já esclareceu que tal não passa de um mito urbano, embora seja verdade que o físico teve direito a Carlsberg gratuita durante 30 anos, só que engarrafada.
Com o apoio do governo dinamarquês e da Fundação Carlsberg, Bohr fundou, em 1921, o Instituto de Física Teórica (hoje Instituto Niels Bohr da Universidade de Copenhaga), que se tornou um dos principais centros mundiais de mecânica quântica, atraindo os maiores nomes da física, como o alemão Werner Heisenberg (1901-1976). Juntos, Bohr e Heisenberg (respetivamente à dir. e esq. da foto, na qual se veem garrafas de Carlsberg) desenvolveram a Interpretação de Copenhaga, que estabelece que uma partícula, como um eletrão, só “escolhe” um estado definido (como uma posição exata) no momento em que é medida. A ideia de, até à medição, a partícula existir num estado de probabilidade desafia a conceção clássica, segundo a qual os objetos têm propriedades bem definidas independentemente da observação. Além disso, consoante o tipo de experiência, a partícula pode comportar-se como uma onda ou como uma partícula, mas nunca das duas formas simultaneamente.
Apesar de amplamente aceite, esta interpretação tem gerado intensos debates. Albert Einstein, defensor de um universo determinístico e convicto de que a mecânica quântica não fornece uma descrição completa da realidade, afirmou que «Deus não joga aos dados». Roger Penrose – Prémio Nobel da Física, em 2020, «pela descoberta de que a formação de buracos negros é uma previsão robusta da teoria da relatividade geral» –, também acredita que a abordagem probabilística da mecânica quântica é limitada, existindo algo mais fundamental para descobrir.
Partindo de um encontro imaginário entre Niels Bohr e Werner Heisenberg em 1941, na capital dinamarquesa sob ocupação nazi, o dramaturgo britânico Michael Frayn criou Copenhaga, uma peça intensa que explora as implicações científicas, éticas e filosóficas da mecânica quântica, incluindo a questão da bomba atómica. Estreada em Londres, em 1998, foi apresentada em Portugal pelo Teatro Aberto, em 2003 e 2005. Infelizmente, não tive oportunidade de assistir a esta encenação, que contava com Carmen Dolores no papel de Margrethe Bohr, e Luís Alberto e Paulo Pires como Bohr e Heisenberg, respetivamente; no entanto, assisti à peça em Londres. Recordo que havia lágrimas nos olhos de muitos espetadores à saída.