No sábado, decorrem em Roma, as últimas duas reuniões gerais da segunda sessão da assembleia do sínodo sobre a sinodalidade, com a leitura e votação do documento final. O caminho sinodal empenhou a Igreja Católica ao longo de cerca de quatro anos e teve um impacto mediático considerável. As expectativas iniciais eram elevadas. O evento foi muitas vezes descrito como a mais importante reunião eclesial desde o Concílio Vaticano II. O longo caminho sinodal despertou sonhos e esperanças, motivou posicionamentos apaixonados por parte de leigos e clérigos, acendeu polémicas e suscitou vozes críticas de diferentes sensibilidades eclesiais. Sobretudo na fase final, tornaram-se frequentes desabafos de desilusão e desalento. Para muitos, tornava-se cada vez mais evidente que o mais importante evento eclesial nas últimas décadas não conduziria às mudanças que muitos aguardavam. Nos próximos dias, conheceremos o documento final da assembleia, que recolherá os frutos deste longo processo. O que podemos esperar e o que não devemos esperar?
Quem seguiu mais de perto os trabalhos, sobretudo na fase final, não ficará surpreendido pela quase certa ausência, no documento final, de pronunciamentos claros relativamente aos temas mais polémicos que foram surgindo nas diferentes instâncias de discussão. Relativamente ao acesso de mulheres ao ministério ordenado, o Cardeal Víctor Manuel Fernández, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, afirmou que a questão do diaconado feminino não está madura e pediu que essa possibilidade não seja por agora considerada. No que diz respeito ao acolhimento de pessoas homossexuais, entre as duas assembleias sinodais, o Dicastério para a Doutrina da Fé publicou a declaração Fiduccia suplicans, que pretende regular a possibilidade de bênçãos a uniões em situação irregular e a uniões de pessoas do mesmo sexo. O documento foi acolhido por muitos como um sinal de abertura por parte do Vaticano, mas despertou também uma invulgar onda de contestação, sobretudo em países africanos. Embora muitos considerem, sobretudo nos países ocidentais, que este é apenas um passo tímido de um inevitável processo de revisão doutrinal, creio que ficou claro que por agora é o passo possível. Finalmente, mesmo a possibilidade, claramente mais viável, de tornar opcional o celibato dos padres foi explicitamente rejeitada pelo Papa Francisco e, por isso, não é expectável que venha a ter grande destaque no texto final.
Podemos concluir, então, que o caminho sinodal não passou de um sonho que não chegou a tornar-se realidade? Creio que não. Para compreender o impacto que o sínodo pode vir a ter, vale a pena fazer alusão a uma das mais importantes correntes éticas contemporâneas: a ética dialógica, associada a Jürgen Habermas (1929), um dos mais importantes filósofos alemães contemporâneos. Em vez de procurar descortinar diretamente os princípios orientadores das nossas ações, a ética dialógica procura estabelecer as regras que devem presidir ao diálogo de um grupo de interlocutores que tenham como objetivo encontrar os princípios e normas que devem presidir à vida em sociedade. Trata-se de uma abordagem ética ajustada à sensibilidade democrática das sociedades contemporâneas. Talvez seja este o grande contributo do sínodo sobre a sinodalidade: mesmo não apresentando propostas com um impacto imediatamente visível na vida da Igreja, o sínodo explorou novas formas de reconhecer e acolher os apelos do Espírito. Ou seja, talvez tenha criado as condições para que a Igreja seja capaz de ler os sinais dos tempos à luz do Evangelho com mais competência e disponibilidade, criando as condições para reformas futuras que possam tornar a sua ação no mundo mais credível. Ou seja, ao promover e experimentar a sinodalidade, que implica a adoção de uma cultura de participação e comunhão, a Igreja encontrou um caminho seguro para se renovar e responder aos desafios do nosso tempo. l
Diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais, UCP