O que dizem um português republicano e uma lusodescendente democrata

Atualmente, há mais de um milhão de imigrantes portugueses e lusodescendentes nos EUA. Jorge Matos representa o primeiro grupo e Sophia o segundo. Explicam aquilo que os motiva a votar, respetivamente, em Donald Trump e Kamala Harris

Um estudo divulgado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), no ano passado, apresenta uma nova perspetiva sobre o perfil demográfico e socioeconómico da comunidade luso-americana nos Estados Unidos. A investigação foca-se nos anos de 2006 a 2020 e destaca o crescimento e a transformação desta comunidade, composta atualmente por cerca de 1,3 milhões de pessoas entre imigrantes e lusodescendentes.

O estudo sublinha a expansão geográfica dos portugueses e descendentes nos Estados Unidos, com um aumento significativo em Estados como a Flórida, Texas, Geórgia e Pensilvânia, além dos tradicionais Massachusetts, Califórnia, Nova Jérsia e Rhode Island. 

Jorge Matos e Sophia (nome fictício) são dois deles. O primeiro apoia o Partido Republicano e a segunda o Partido Democrata. Numa conversa franca e abrangente, Jorge, que reside nos EUA há 39 anos, partilhou as suas vivências de imigrante, as suas opiniões políticas e o impacto das escolhas de vida entre a Califórnia e o Texas. O entrevistado, em declarações ao i, começou por lembrar a sua chegada ao país, uma mudança que teve como ponto de partida a emigração da família para o Canadá nos anos 60, que mais tarde se estendeu para a Califórnia. Em 1978, com apenas 14 anos, visitou o estado pela primeira vez, viagem que seria determinante. “Fiquei apaixonado pela Califórnia, pela vida que tinham, tão empreendedora e cheia de oportunidades”.

Ao refletir sobre a adaptação cultural, Jorge Matos destacou as dificuldades iniciais, como a barreira linguística. “Não falava inglês na altura e sem a língua ficamos isolados”, recordou. O choque cultural também foi notável, principalmente em termos de vida social e distâncias. “Em Portugal, deslocamo-nos facilmente para encontrar amigos. Aqui, é tudo muito mais longe, não se sai de casa para ir ao café”, observou, contrastando a intimidade das relações em Portugal com a distância social sentida nos EUA.

As vantagens do Texas 

Hoje, reside em Amarillo, no Texas, para onde se mudou há nove anos. Quando questionado sobre as diferenças culturais entre os estados, afirmou que o Texas reflete mais a sua personalidade. “A Califórnia é um estado maravilhoso, mas não me identifico com algumas coisas. O Texas, em termos de impostos e cultura, é um pouco mais o que sou,” disse, sublinhando que o estado é mais “simples” e tem um ambiente “mais empreendedor” que valoriza a liberdade individual.

Quando a conversa enveredou para temas políticos, foi claro nas suas convicções. Defendeu uma menor intervenção governamental e lamentou o impacto da burocracia em Portugal que, segundo ele, pode desmotivar empreendedores. “A burocracia no nosso povo apaga essa chama do empreendedorismo”, afirmou.

Sobre as eleições norte-americanas, revelou que votará no Partido Republicano, apesar de não ser um apoiante fervoroso de Donald Trump. “A minha escolha é mais pelo partido do que pela pessoa”, disse, acrescentando que a sua prioridade é a estabilidade e a promoção de valores empreendedores. Ainda assim, expressou preocupação com o clima de tensão crescente nas eleições e com os discursos polarizadores. “Há muita tensão e é perigoso, pois os EUA são um país agressivo em termos de postura,” disse, advertindo para os riscos da retórica exacerbada.

Relativamente ao impacto das eleições na comunidade imigrante, o entrevistado refletiu sobre o papel da imigração na economia e na sociedade norte-americanas. “Não sou contra as pessoas, mas contra aquelas que vêm apenas para causar problemas”, enfatizou. Ressaltou a importância de distinguir entre os imigrantes produtivos e aqueles que contribuem para a violência, mencionando que defende uma imigração legal e controlada.

O balanço das experiências de vida entre os EUA e Portugal é positivo, apesar das diferenças. “Nem sou daqui a 100% nem sou de lá,” concluiu, definindo-se como “uma pessoa que é um pouco de cada sítio,” uma expressão de como a experiência migratória molda identidades únicas.

A perspetiva de uma jovem democrata

Sophia (nome fictício), uma jovem que apoia o Partido Democrata, prova que os jovens eleitores estão a mobilizar-se, preocupados com o futuro da democracia, dos direitos das mulheres e das políticas de imigração. Para a jovem estudante universitária entrevistada pelo i, o desfecho desta eleição será particularmente importante, com impacto direto na sua geração.

“Esta eleição é crucial para a minha geração por muitos motivos”, afirma a estudante. Uma das suas preocupações centrais é o potencial do próximo Presidente de nomear juízes para o Supremo Tribunal, influenciando a legislação americana nas próximas décadas. “Desde que Roe vs. Wade foi derrubado, o direito de escolha das mulheres está em risco nos EUA. Os direitos das mulheres estão a ser alvo de legisladores republicanos e logo também irão atrás do acesso aos contracetivos”, explicou.

Para ela, este não é um simples debate político; é uma questão de direitos humanos. “Esse tema é realmente importante para mim e para a vida das mulheres em todo o país”, sublinhou. A estudante universitária não hesita ao expressar a sua posição crítica em relação ao ex-Presidente Donald Trump, cujas políticas considera prejudiciais para milhões de americanos. “Penso que Donald Trump é perigoso e uma ameaça à democracia neste país. As suas políticas de imigração e aborto estão a prejudicar milhões de americanos e, depois das suas ações a 6 de janeiro, ficou claro que tem pouco respeito pela Constituição”.

Sobre Kamala Harris, a candidata do Partido Democrata, a jovem vê uma oportunidade de renovação para o país. “Kamala Harris será um novo começo para o país. Ela é mais jovem e mais experiente que Trump. Acho que ela é inteligente, responsável e preocupa-se com o americano normal”, afirmou, destacando a empatia que considera faltar a Trump.

A entrevistada também se preocupa com o impacto da política migratória, apontando o discurso de Trump como hostil aos imigrantes. “As políticas de imigração de Donald Trump tornariam extremamente difícil imigrar para os EUA. A linguagem que ele usou para falar sobre imigrantes no passado é repugnante. Disse que os mexicanos são violadores e criminosos e criou um ambiente nos Estados Unidos extremamente hostil para imigrantes”. Considera que mais quatro anos com Trump na Presidência poderiam ter consequências devastadoras para a comunidade imigrante.

A identificação da estudante com Kamala Harris vai além das políticas e alcança as suas experiências familiares. “Sinto-me representada por Kamala Harris em muitos aspectos. As suas histórias sobre a experiência dos seus pais como imigrantes lembram-me muito dos meus avós e da experiência deles ao emigrarem de Portugal”. Além disso, a estudante aprecia a perspetiva de Harris como mulher, capaz de compreender as “consequências horríveis que a restrição ao aborto pode trazer”.

A experiência dos avós moldou a sua visão política e motivou-a a defender políticas de imigração justas. “Eles deixaram Portugal para escapar a uma ditadura e começar uma vida melhor. Trump quer dificultar significativamente a vida de pessoas como os meus avós que querem construir novas vidas na América. Devo tudo aos meus avós; a decisão deles de virem para a América permitiu-me fazer tantas coisas que eles não puderam fazer.”

A estudante incentiva outros a envolverem-se politicamente, algo que faz desde nova. “Recomendo muito o voluntariado em campanhas políticas. Fazer chamadas para um candidato ou bater às portas é uma maneira incrível de nos envolvermos”, aconselha, acrescentando que a leitura de várias fontes de notícias é igualmente importante.

Muito mais trabalho a fazer

“Se Donald Trump vencer a eleição, haverá muito mais trabalho a fazer”, admitiu. Em especial, expressa uma preocupação profunda com os direitos das mulheres. “Estou profundamente preocupada com os direitos das mulheres com a aproximação das eleições. É devastador pensar que hoje tenho menos direitos do que a minha mãe tinha na minha idade”, lamentou, embora encontre esperança nas propostas da candidata dos Democratas. “Kamala Harris está a dar-me esperança de que este país possa reconstruir-se e restaurar alguns dos direitos que Trump retirou”.

Consciente dos desafios que enfrentam os jovens eleitores, a estudante destaca o seu compromisso de continuar a lutar, independentemente do resultado das urnas.