Chamaram-lhe ‘Nuvola’ – ‘Nuvem’. Um nome poético para um homem que, com a idade, se foi esfumando na atmosfera baça dos que o rodeavam, tornando-se cada vez mais só. Tazio Giorgio Nuvolari, nascido em Castel d’Ario, na Província de Mântua, corria o dia 16 de novembro de 1892. E, por isso, chamaram-lhe também ‘Il Mantovano Volante’. Aprendeu a voar cedo, ainda criança, no dorso das motocicletas com as quais participava em todas as provas que aceitassem a sua presença. Era o quarto filho de Arturo Nuvolari, um agricultor valente que foi conquistando as suas courelas e juntando uns bons pares de milhares de liras à custa do suor que lhe corria pela testa desde que o sol nascia até que se punha. Percorria quilómetros e quilómetros de bicicleta. Imprimiu nos filhos o prazer do pedal._Mas foi Guiseppe Nuvolari, irmão de Arturo, que encheu as medidas do jovem Tazio e se tornou como exemplo a seguir. Guiseppe era um ás do volante. Um vencedor. Não apenas em Itália._Também no estrangeiro. No dia 5 de setembro de 1904 levou o sobrinho ao Circuito de Brescia. Tazio viu correr pela primeira vez gente com nomes tão sonantes como Vincenzo Lancia, Nazzaro, Cagno, Hémery ou Duray. Saiu de lá com a certeza de que passaria o resto da sua vida com um volante na frente. Deixava para trás as duas rodas. Embarcava nas máquinas que tinham quatro.
A I Grande Guerra assola a Europa. Como a maioria dos jovens da sua idade, Tazio partiu para as trincheiras. Não havia espaço na sua vida para pensar noutra corrida que não fosse a de correr para salvar a pele. Mas o Destino tem aquela força indomável que Guiseppe Verdi deixou marcada numa ópera soberba. Entre 1912 e 1914, Nuvolari vê-lhe atribuída a responsabilidade de conduzir ambulâncias. Daí passa para a função de guiar camiões de transporte e automóveis de oficiais. O volante, sempre o volante. Certa vez despista-se, embate contra uma árvore. Ele e o coronel que levava consigo saem ilesos do acidente. Ouve um conselho que guardará para a vida: «Dammi retta, lascia perdere, l’automobile non fa per te». A partir de então toma a resolução de jamais se deixar dominar pelos caprichos das máquinas.
O tempo passou. Lentamente para uns, rapidamente para outros. É essa a lei do Tempo, assim mesmo, com maiúsculas. Para Tazio passou devagar demais. Perdeu-se em tentativas para obter licença de condução para provas de motociclismo. Só a consegue já com 28 anos. Numa idade em que não queria nem sequer saber das duas rodas. Ainda assim participou em provas e venceu algumas. Finalmente, no dia 20 de março de 1920, em Verona, pôde guiar um carro de corridas: um Ansaldo Tipo 4. Ficará com ele nos dois anos seguintes.
No Circuito Golfo del Tigullio, na Ligúria, a 13 de abril de 1924, ao comando de um Chiribiri Tipo Monza de quatro cilindros, mede-se palmo a palmo com um tipo carrancudo que deixará o seu nome para sempre ligado aos automóveis: é natural de Modena e a sua personalidade impõe-se – Enzo Ferrari. Este escreveu nas suas memórias: «Não dei grande valor àquele magricelas que se cruzou comigo frente à Basilica di Sant’Apollinare. Mas depois percebi que era o único com talento para, no seu carro sem força, ameaçar a minha superioridade». Num movimento muito habitual na Itália da altura, Tazio funda a sua própria marca de automóveis: Scuderia Nuvolari. E, também como era de costume, transformou outros carros em carros seus. Com um Bugatti Grand Prix remodelado vence o Grande Prémio de Tripoli. Atinge o topo. É considerado pelos grandes, passa a ser condutor da Ferrari, ganha em Le Mans, domina a incomparável Mille Miglia.
Ao mesmo tempo que é um vencedor nas estradas e nas pistas, a vida decide derrotá-lo com uma dureza indigna. Giorgio, o seu filho mais velho, morre aos 19 anos com um ataque de miocárdio; Alberto, o mais novo, morre aos 18 atacado por uma estranha nevrite. Algo dentro de si muda para sempre. Os golpes são duríssimos para um homem que fora sempre sentimental. A alegria varreu-se-lhe do dia a dia como se soprada por uma devastadora ventania. O homem chamado ‘Nuvem’ torna-se negro como se as tempestades rebentassem a cada passo que dava. A sua última aparição numa prova deu-se na rampa de Palermo-Montepellegrino. Tinha 58 anos. Tornara-se tão solitário que nem sequer falava com os mecânicos, nas boxes. Um AVC paralisou-lhe a parte direita do corpo. Um outro, poucos meses mais tarde, matou-o. 55 mil pessoas, metade da população de Mântua, acompanharam-no no caminho para o infinito. Os ases erguiam o seu esquife: Alberto Ascari, Luigi Villoresi e Juan Manuel Fangio.Na sua tumba ficou escrito: «Correrás ainda mais veloz pelas estradas do céu».