Há assuntos nos quais os americanos que vieram depois não gostam de tocar. São, como diria Osvaldo Soriano, uma espécie de veias abertas da América do Norte. Se há data que gostariam de empurrar para debaixo do tapete, essa é a de 25 e 26 de Junho de 1876. Se há nome que teriam vontade de perder para sempre nas neves do Alasca, esse é o de Little Bighorn. Mas o rio Little Bighorn não corre noAlasca, corre no Estado do Montana. E a 26 de Junho de 1876, o Sétimo de Cavalaria desmentiu a verdade que mandava dizer que chegava sempre a tempo.
A Batalha de Little Bighorn, para os americanos que vieram depois, ou Batalha de Greasy Grass, para os americanos que já lá viviam antes de Américo Vespúcio, fez parte da Grande Guerra Sioux e começou com uma luta de terras entre tribos índias, iniciada pelos Lakotas, também conhecidos por Tetoun Sioux, uma das três proeminentes subculturas do povo Sioux instalado no Dacota do Sul e do Norte. Desde 1851 que disputavam territórios com os Crow que passaram a ter o apoio do Exército dos Estados Unidos. O chefe dos Crow chamava-se Pé-Negro. Nem ele nem os seus aliados esperavam que os Lakotas se juntassem aos Cheyennes e aos Arapahos. A correlação de forças tornou-se desequilibrada.
As tropas dos US of A eram lideradas pelo tenente-general George Armstrong Custer, uma daquelas figuras que ficou na História por vencer todas as guerras exceto a última. Cavaleiro insigne, produto da Academia de West Point, Custer ganhou galões na GuerraCivil Americana ao contribuir decisivamente para o triunfo na Batalha de Gettysburg – considerada o turning point do conflito com a vitória da União sobre os confederados – comandando a Michigan Brigade. Pouco importou na altura que esteve em desvantagem numérica: destruiu o inimigo comandado pelo general sulista Jeb Stuart em East Cavalry Field e em Round Top Mountain. Ah! Ninguém tinha um nome tão sonante como Custer…
O Sétimo de Cavalaria era composto por doze companhias num total de cerca de 700 homens. Seguiam o seu general com a confiança cega de quem está disposto a colocar a vida nas suas mãos. E foi precisamente isso que aconteceu nesses dois dias de batalha à beira do rio Little Bighorn. 286 cavaleiros morreram. Custer também. E outros oficiais americanos como Myles Keough e James Calhoun.
Quando falo de americanos falo daqueles que não são índios. Um caminho sinuoso, bem sei. Porque, como já deixei escrito, esses são os americanos que vieram depois na epopeia do Mayflower. Os índios já lá estavam. E dividiam-se em tribos ou famílias como os Apaches, os Navajos, os Catawbas, os Cherokees, os Moicanos, os Arapahos, os Hoopas, os Paiutes, osKikhapoos, os Modocs e por aí fora numa lista praticamente infinita. Mas voltemos a Little Bighorn. A união dos Lakotas, Dakotas, Cheyennes do noroeste e dos Arapahos ultrapassava grandemente em número os seus inimigos: eram quase 2500 guerreiros sem disponibilidade para serem piedosos. A forma como tinham sido, ao longo dos anos, reduzidos a espaços cada vez mais curtos, as chamadas reservas, pondo fim à sua natureza itinerante e à sua subsistência na perseguição de manadas de caça, provocara uma revolta coletiva que roçava o ódio. Eram vistos como incivilizados e incapazes de se submeterem às novas regras sociais trazidas pelos emigrantes. Um mundo à parte.
Esse mundo à parte caiu sobre o general Custer com o peso das Montanhas Rochosas. Os gritos e uivos em lakhotiyapi faziam com que os nervos dos seus soldados bulissem como varas ao vento. Havia também um sentido de vingança. OSétimo de Cavalaria, criado no fim da Guerra Civil, composto maioritariamente por veteranos, tendo como sede principal o Fort Riley, no Kansas, havia, em Novembro de 1868, atacado o campo de Black Kettle’s, à beira do rio Washita, onde vivia um grande número de Cheyennes, e provocado uma mortandade sanguinária. A comunidade indiana não perdoou o assassinato de mulheres e crianças inocentes. A raiva crescia no peito dos que eram tratados desprezivelmente por peles-vermelhas.
A morte anónima do General Custer
O general Custer estava decidido a pôr ordem na região e aproveitou o pedido de ajuda de Pé-Negro. Começou por juntar todo o Sétimo de Cavalaria no forte Abraham Lincoln, no território Dakota, e planeou aproveitar as escaramuças que já tinham começado em Rosebud, a pouco mais de trinta quilómetros de Little Bighorn e onde o general George Crook conseguira surpreender o inimigo e empurrá-lo em direção ao local onde a batalha decisiva viria a desenrolar-se. Em seguida preparou um ataque surpresa para o dealbar do dia 26 de Junho. Para seu azar recebeu a informação de que, do outro lado, Touro Sentado, o líder das tribos unidas, estava a par da sua estratégia. Resolveu, de imediato, antecipar a ofensiva em 24 horas. Dividiu as suas doze companhias em três batalhões e avançar. Diz a lenda que ignorou por completo o aviso de um dos seus guias, Mitch Boyer, que lhe terá dito: «General, há mais de vinte anos que estudo estes índios e nunca vi uma povoação tão grande como a que quer atacar». Custer era um homem demasiado cheio de si próprio para seguir os alertas de um mestiço.
Os combates tiveram início com um ataque das três companhias colocadas sob o comando do major Marcus Reno. Completamente desbaratadas ao primeiro confronto foram vítimas de uma chacina. George Custer perdeu as estribeiras e mandou carregar em força sobre o inimigo. Os seus cavaleiros, sob uma chuva intensa de flechas e de tiros de mosquete, desorientaram-se. Os cavalos apavoraram-se atirando com os seus donos por terra. Cavalo Louco, líder dos Lakotas, com um nome bem a propósito, incitava a sua gente a matar cada homem caído. A Batalha de Little Bighorn durou mais de 30 horas, mas teve um vencedor desde o primeiro momento.
Pode ser de uma ironia desconcertante, mas do lado dos índios ninguém sabia quem era o famoso general Custer. Uma testemunha de nome Shave Elk diria mais tarde: «We did not suspect that we were fighting Custer and did not recognize him either alive or dead». O chefe Cheyenne Perna de Madeira também afirmou que não fazia ideia de que Custer estava a participar na batalha. Thomas Bailey Marquis, um dos mais profícuos historiadores de Little Bighorn, deixou escrito que os vencedores só souberam que tinham defrontado Custer muitas semanas depois de tudo ter terminado e de os acontecimentos terem sido divulgados. Muitos outros só ficaram a par do assunto quando Marquis publicou a sua maior obra, em 1922.
Mas não faltou quem quisesse colher os louros da morte e do general. É assim que sopram os ventos da História. Touro Branco, sobrinho de Touro Sentado, um dos mais valorosos combatentes dos Miniconjous, aparentados com os Sioux, reclamou para si o feito. Não foi o único. Os seus parceiros Chuva-na-Cara e Lábio Fácido fizeram o mesmo. A tradição oral dos Cheyennes do noroeste atribui a façanha a uma mulher, Pele de Búfalo, heroína da Batalha de Rosebud, descrevendo que esta o atingiu com um golpe no crânio quando o fez cair do cavalo. Evan Connell, biografo do general, avançou com uma explicação completamente diversa: Custer terá sido morto a tiro ainda montado, servindo como prova as duas balas que lhe foram encontradas no cadáver, uma abaixo do coração e outra na têmpora. O facto de o corpo não estar despedaçado justificar-se-ia pelo facto de os índios não lhe terem tocado, tendo sido carregado pelos seus homens para longe do local da sua morte. Finalmente, mais uma versão: teria sido Mo-nah-se-tah, uma das 53 mulheres capturadas como reféns pelo Sétimo de Cavalaria na Batalha de Washita River em 1868, e que alegadamente pariu dois filhos de Custer, a impedir que violentassem o corpo. Versão esta desmentida desagradavelmente por um antigo companheiro deCuster que jurou a pés juntos que este era impotente por via de ter sofrido um brutal ataque de sífilis nos seus dias de West Point. Parece que George Custer serviu para tudo e para mais um par de botas, militarmente falando…
Touro Sentado e a Dança Fantasma
Touro Sentado, o chefe Hunkpapa Lakota, também chamado de O Lento ou de Texugo Saltitante, ficou para o porvir como o grande vencedor do general Custer na Batalha de Little Bighorn. Foi ele, na verdade, o responsável pela enorme união de tribos que conduziu a uma das mais dolorosas derrotas dos americanos não nativos, se assim lhes quisermos chamar. Na sua juventude tinha tido a visão apocalíptica de ver a sua família destruída por uma praga de gafanhotos gigantescos fardados como soldados. A sua voz fazia-se ouvir mesmo no seio de outras tribos e transformou-se no líder natural da revolta contra a política de confinar os índios a reservas sem recursos de caça. Depois da grande vitória, apalhaçou-se. Juntou-se ao Buffalo Bill’s Wild West Show, uma pantomima itinerante de espetáculos representativos da vida do Velho Oeste. Mas voltou a suscitar o medo ao apoiar o Nanissáanah, o Movimento Dança Fantasma, libertador dos espíritos dos mortos através de bailados. James McLaughlin, responsável pelo Bureau of Indian Affairs, ordenou a sua prisão. Touro Sentado e os seus seguidores não se renderam sem luta. Foi morto numa troca de tiros. Uma bala perfurou-lhe a cabeça. Disparada por um mestiço. O tenente Cabeça de Boi.