Os tumultos da periferia e a má consciência dos políticos

Há racismo e xenofobia nas forças de segurança? Há, sim! Não faltam relatórios internacionais que vêm avisando sobre essa matéria.

Odair Moniz morreu, resultado de disparos de um agente da PSP na Amadora. As circunstâncias estão ainda por esclarecer em toda a sua extensão. As instituições competentes abriram os necessários inquéritos. Na sequência dessa morte, sucederam-se tumultos em bairros de habitação pública em concelhos da Área Metropolitana de Lisboa.
Tolerar esses tumultos e analisar com ligeireza a ação da Polícia de Segurança Pública nos bairros é resultado de alguma má consciência dos agentes políticos.
Há racismo e xenofobia nas forças de segurança? Há, sim! Não faltam relatórios internacionais que vêm avisando sobre essa matéria. O crescimento do extremismo nessas forças é evidente. Também foi sempre evidente o desrespeito por parte de alguns agentes do extinto SEF, com limite extremo na morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk. Esse caso revelou um comportamento inenarrável da então direção do SEF, e de um Ministério da Administração Interna que se preocupou mais em ‘varrer o lixo para debaixo do tapete’ do que em enfrentar com decência o problema.
Nunca os sucessivos governos olharam para estas questões estruturais com noção da gravidade do dilema que estavam a gerar. No SEF redundou na sua extinção.
Mas a má consciência não termina ali. Os excessos dos protestos que acima referi foram tolerados não decorrente da morte de Odair, mas por muitos políticos saberem que os pobres têm muitas razões de queixa dos políticos portugueses.
Não é a primeira vez que escrevo isto, mas Portugal é hoje um país ‘desnatado’, no qual ‘os de cima’ pouco ou nada sabem das vidas ‘dos de baixo’. A sociedade portuguesa aceita com naturalidade ter 20% de pobres e outros 20% que seriam pobres sem apoios sociais. Aceita, desde que haja paz social. Aceita que uma família pobre demore, em média, 5 gerações (CINCO) a quebrar o ciclo de pobreza – isto é, aceitamos uma democracia liberal sem elevador social.
O sucesso eleitoral de Isaltino Morais (de quem orgulhosamente sou vice-presidente) não é compreendido por muitos portugueses, que talvez esta semana tenham tido uma breve oportunidade de compreensão. Oeiras é hoje, a segunda economia nacional na geração de riqueza (logo a seguir a Lisboa, e à frente do Porto, Sintra ou Cascais). É o concelho com a população com ensino e rendimento mais elevados. Mas é, sobretudo, o território português com mais paz social. Explico: gera riqueza (muita para a realidade nacional), trata do espaço público e tem programas sociais que permitem a todos estarem socialmente incluídos: todos os que costumam estar esquecidos (pobres, velhos, naturalmente desfavorecidos, etc.).
Há alguns anos, um académico português de origem africana, disse uma coisa a Isaltino Morais que me pôs a pensar: agradeceu-lhe ter sido «o primeiro político português que tratou os cidadãos que vieram dos PALOP como iguais». Interessou-se pelas suas vidas e pelos problemas que estavam a enfrentar. Por isso se erradicaram barracas, se fizeram esquadras, escolas e centros de saúde; e, por isso, hoje se dão bolsas a todos os que delas precisam para poder continuar a estudar. Oeiras terá mais bolsas universitárias para os seus alunos do que todos os outros municípios portugueses juntos!
Quando houve tumultos num bairro municipal de Oeiras, o Presidente da Câmara estava onde está sempre: junto do Povo.
Em grande medida, a má consciência de muitos políticos portugueses decorre de saberem que, durante muitos anos, não se interessaram pela vida dos que mais deles precisam. Por isso aceitaram atos de marginais como normais, por saberem que as pessoas têm razão de queixa.
Todavia, a ironia de tudo isto é que as pessoas que lutam por sobreviver, apesar da indiferença de muitos agentes políticos, não estavam a fazer tumultos. Estavam a tentar descansar: acordam de madrugada para trabalhar.