O assunto foi alvo de uma acesa discussão entre Piers Morgan e John Mearsheimer no progama Uncensored, que obteve mais de 800 mil visualizações.
Morgan (PM) começou por perguntar a Mearsheimer (JM) como é que pode ser moralmente correto recusar a autorização de utilização de armamento da NATO para ataques no interior da Rússia, se esta tem empregado esse mesmo tipo de armamento contra a Ucrânia?
Mearsheimer respondeu que, no seu entender, a posição moralmente correta, hoje em dia, é não fornecer mais armamento aos ucranianos e encorajá-los fortemente a chegar a um acordo negociado com os russos. Deu por comprovado que os ucranianos estão a perder gravemente no campo de batalha, havendo abundantes provas disso, e que a situação piora de dia para dia. Fornecer mais armamento à Ucrânia e encorajá-la a continuar a lutar é moralmente errado porque só vai agravar a situação desse país, que está a perder a guerra, e cuja continuação apenas implicará mais perdas de homens e de território. Partindo do princípio de que a Ucrânia não vai ganhar a guerra, a posição moralmente correta, isto é, a interessada em salvar mais vidas humanas, mais ucranianos, é a que defende acabar com a guerra o mais rápido possível.
Piers contra-argumentou que o povo ucraniano quer lutar até ao fim, e que devia ter o direito moral de tomar essa decisão. Perguntou como é que pode ser moralmente correto deixar que um ditador cruel invada um país vizinho europeu, soberano e democrático, anexando vastas quantidades do seu território e matando grande parte da sua população?
JM respondeu que não há nada que se possa fazer para mudar a direção da guerra, que está a correr desfavoravelmente para a Ucrânia, cada dia a perder mais homens e mais território.
PM retorquiu que há algo que podemos fazer: fornecer-lhes os mísseis para atacar a Rússia.
Para JM os mísseis não vão mudar a orientação da guerra. A ideia de que fornecermos mísseis ATCMS ou Storm Shadow irá alterar o curso da guerra não é um argumento sério. O que importa verdadeiramente é o número de tropas, artilharia e poder aéreo de cada lado no campo de batalha. Os russos têm uma vantagem decisiva em todos e essa vantagem aumenta em cada dia que passa. Não há nada que possamos fazer para reverter isso. Como os ucranianos estão condenados a perder, o melhor a fazer neste momento é acabar com a guerra para evitar mais baixas e a perda de mais território.
PM questionou se JM diria o mesmo dos ingleses no início da II Guerra Mundial.
JM replicou não se tratar de situações análogas, porque a Inglaterra tinha dois aliados poderosos – os EUA e a URSS – que se envolveram diretamente na guerra. Isso não vai acontecer no caso da Ucrânia, porque a NATO não vai fornecer tropas terrestres para a defesa desse país.
PM perguntou porque não enviamos tropas? Se fosse um país da NATO faríamos isso.
JM: Não é totalmente claro que faríamos isso, embora seja provável que o fizéssemos. Mas o facto é que não o vamos fazer no caso da Ucrânia, e isso mostra-nos que a posição moralmente mais correta não é lutar até ao último ucraniano.
PM: Mas é isso que eles querem fazer, os ucranianos querem lutar até ao fim.
JM: As sondagens na Ucrânia não vão nesse sentido e mesmo que isso fosse verdade, essa não é a posição moralmente correta, do meu ponto de vista.
PM: Mas como é que pode ser a posição moralmente correta deixar que um ditador russo possa ganhar?
JM: O que é que se pode fazer para reverter isso?
PM: Ajudar os ucranianos a repelir Putin, tal como eles têm vindo a fazer nos últimos dois anos e meio contra todas as expectativas, dando-lhes tudo o que eles quiserem. O que Putin faz é brandir o seu arsenal nuclear e assustar as pessoas, mas todas as linhas vermelhas que ele levantou foram ultrapassadas: fornecermos os tanques; os aviões, etc. E agora não há nenhuma prova de que a ameaça nuclear seja credível porque ele sabe que, no momento em que usar as armas nucleares, a Rússia será vaporizada. Não compreendo como é que podemos ficar todos reféns das ameaças nucleares russas, isso é imoral.
JM: O seu problema é que está ainda a viver os últimos meses de 2022, quando os ucranianos estavam na mó de cima e a parecia que iriam conseguir resistir aos russos. Mas se olharmos para o que aconteceu em 2023 e agora em 2024, é muito claro que o equilíbrio do poder se inclinou decisivamente a favor dos russos, e não há nada que possamos fazer para resgatar essa situação, não há armas mágicas que possamos dar aos ucranianos que lhes possam permitir ganhar esta guerra; eles vão perder a guerra, não há nada que possamos fazer para evitar isso. Parece que não está a entender isto: dado que não há nada que se possa fazer para evitar que os ucranianos percam a guerra, faz sentido, do ponto de vista moral, acabar a guerra o mais rápido possível.
PM: Não concordo, não é moralmente certo simplesmente renderem-se, especialmente se querem continuar a lutar. É o seu país, é o seu povo, se querem continuar a lutar, e o seu Presidente quer obter o máximo de armamento que conseguir para repelir os russos, acho que temos o dever moral de lhe dar o que pede. Acho moralmente repreensível sermos nós a decidir o que ele quer, o que o povo ucraniano quer, e que parte do território do país é que acabam por conseguir manter.
JM: Essa é precisamente a posição dos EUA e dos governos europeus: vão lutar até ao último ucraniano.
PM: E bem.
JM: Eu acho isso errado, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista ucraniano.
Apesar da forte discordância de opiniões, Piers Morgan encerrou muito cordialmente o debate: «Caro professor, gosto sempre de o ter no programa, gosto dos nossos debates, agradeço ter vindo, creio que a história provará qual de nós tem razão. Continuarei a recebê-lo e continuaremos a debater, porque as pessoas apreciam estes debates.»
Especialista em Assuntos Internacionais