A influência cultural das marcas norte-americanas em Portugal

Desde a chegada da Coca-Cola, nos anos 20, com o slogan criado por Fernando Pessoa, passando pelas Levi’s a surgirem na Base das Lajes ou pelas cadeias de fast food, a presença da cultura americana em território nacional faz-se notar.

A presença dos EUA em Portugal através das suas marcas reflete um processo de influência cultural e económica que se intensificou com a globalização. Esse impacto pode ser observado na maneira como as marcas norte-americanas penetraram e moldaram o mercado português, trazendo consigo não só produtos, mas um estilo de vida, valores e uma identidade que se misturam com as práticas culturais locais.

“Em termos culturais, as marcas são um reflexo de qualquer país”, aponta João Soares Barros, professor de Publicidade na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), em Lisboa, num tom revelador. “As marcas acabam por funcionar como uma espécie de voz cultural”. A Coca-Cola foi um dos primeiros exemplos mencionados. Antes do 25 de Abril de 1974, a popular marca de refrigerantes estava proibida em Portugal, uma proibição que, segundo o entrevistado, poderia estar relacionada com “guerras políticas entre o nosso regime e os valores norte-americanos”. A Coca-Cola, explicou, “simbolizava o ‘American Way of Life’ e, com o tempo, esse ideal tornou-se um estilo de vida global”.

De facto, a história da Coca-Cola em Portugal é marcada por um percurso de desafios políticos e resistência cultural, especialmente durante o período do Estado Novo, a ditadura de caráter nacionalista e conservador que governou o país entre 1933 e 1974. Em 1927, antes mesmo do estabelecimento oficial do Estado Novo, a Coca-Cola chegou a ser importada em pequenas quantidades por Lisboa e Porto, mas sem grande impacto. Foi nesse período que Fernando Pessoa, ao serviço da agência Hora, criou o slogan “Primeiro Estranha-se, Depois Entranha-se”.

Nos anos 50, com o crescente interesse em expandir-se internacionalmente, a Coca-Cola tentou entrar novamente no mercado português, mas desta vez enfrentou uma proibição oficial. Em 1953, o governo proibiu a venda da Coca-Cola, por indicação do médico higienista Ricardo Jorge, sob a alegação de que o refrigerante poderia causar problemas de saúde por conter ingredientes “não identificados” e “potencialmente perigosos”. Curiosamente, a famosa bebida podia ser consumida em Angola e Moçambique.

Foi apenas em 1977, três anos após a Revolução dos Cravos, que a Coca-Cola conseguiu estabelecer-se em Portugal. A abertura política e económica que se seguiu à queda do Estado Novo permitiu a entrada da marca, que rapidamente conquistou o mercado português. A sua chegada marcou uma nova fase de modernização e abertura para o consumo de produtos internacionais.

O percurso das outras marcas

Em Portugal, outras marcas norte-americanas também se destacaram no período pós-revolução. “Marcas como a Tide, por exemplo, tiveram grande impacto e voltaram após o 25 de Abril, com uma renovada aceitação”, lembra João Soares Barros. Outras empresas, como o McDonald’s, só chegaram mais tarde. Em território nacional, o primeiro McDonald’s foi inaugurado a 23 de maio de 1991 no CascaisShopping e, no ano seguinte, abriu o primeiro McDrive, no restaurante de Setúbal. Em 1995, foi introduzido o McCafé no restaurante Imperial no Porto.

 “Foi um caso peculiar porque o McDonald’s adaptou-se ao mercado local e até teve uma gestão que seguiu normas diferentes das tradicionais da empresa”, observa o professor de Publicidade. Acerca do impacto das marcas de fast food em Portugal, o especialista comenta que “o McDonald’s, o KFC e o Burger King adotam diferentes políticas de franchising, o que resulta numa experiência de marca variada de acordo com o país”. Para o entrevistado, tal reflete uma estratégia ajustada ao contexto português e europeu. “O McDonald’s em Portugal, por exemplo, seguiu um caminho distinto, e mesmo quando outras variáveis de gestão falhavam, a localização estratégica das lojas manteve a presença da marca”.

Em Portugal, a gestão da marca Burger King passou para o Restaurant Brands Iberia (RBI) em 2022, após a compra das franquias que o Grupo Ibersol operava desde 2001, quando abriu o primeiro restaurante da rede no NorteShopping, em Matosinhos. Atualmente, há 164 unidades Burger King no país, incluindo os arquipélagos dos Açores e da Madeira, com cerca de 17 mil funcionários em Portugal e Espanha. A RBI projeta inaugurar 90 novos restaurantes na Península Ibérica até 2025, incluindo novos pontos no Algarve.

Já o KFC chegou a Portugal em 1996, abrindo o primeiro restaurante no CascaiShopping, em Cascais. Desde então, a marca, que é administrada pelo grupo Ibersol, tornou-se conhecida no país pela sua receita original de frango frito do Kentucky, uma criação do fundador Coronel Harland Sanders. A célebre receita, feita com 11 ervas e especiarias mantidas em segredo, continua a ser o destaque dos menus do KFC, com propostas que incluem as tradicionais Hot Wings, Crispy Strips, Buckets mas, também, à semelhança daquilo que acontece noutros países, várias inovações regionais.

Um outro exemplo de ‘americanização’ foram os jeans Levi’s, que chegaram aos portugueses através da Base das Lajes, nos Açores. “Era uma peça de vestuário quase inacessível e isso fez dela um símbolo”, sublinha o especialista. O simbolismo dos Levi’s ia além da moda: “É uma construção histórica. Tal como uma pessoa é definida pela sua trajetória, também as marcas constroem as suas identidades através de sua história e da forma como se relacionam com o consumidor”.

No que toca ao Starbucks, outra marca americana que encontrou um público fiel em Portugal, o entrevistado reflete sobre a atração dos jovens: “O sucesso do Starbucks reflete uma ligação emocional que ultrapassa a simples necessidade de consumir café. É um espaço de encontro e uma experiência que se conecta com um público mais jovem e urbano”. A marca chegou a Portugal em 2008 e, atualmente, tem 30 lojas.

João Soares Barros ainda analisou o sucesso global das marcas norte-americanas, revelando um ponto de vista cultural. “Quando se fala em valores culturais, o estilo de vida americano acaba por ser partilhado em todo o mundo devido ao domínio político e cultural dos Estados Unidos. Marcas como a Coca-Cola, que refletem esses valores, conseguem conectar-se facilmente com o público”, aponta. “Em última análise, isso torna-se numa questão de branding: ‘as marcas são relações’. Tal como nós, elas constroem identidades e relações que vão além do consumo e conectam-se com o nosso imaginário cultural”.

E remata com uma reflexão sobre o papel da marca na sociedade contemporânea. “As marcas não são apenas boas ou más, como as pessoas também não o são. Elas têm luz e sombra”, destacou o especialista, apontando para a complexidade das conexões culturais e emocionais que elas representam.