Durante e após um torneio de futebol de crianças de cinco e seis anos no Seixal, os pais reagiam: «Tens de correr mais!», «Temos de fazer uns sprints para ficares em forma», «Temos de praticar mais!». Aquilo que seria uma diversão, uma tarde bem passada, terminou com um indelével sabor a derrota e deceção. Alguns pais, que são como um barómetro para os filhos, sobretudo nestas idades, acharam que o desempenho tinha sido insuficiente.
Não há nenhum brinquedo como uma bola que chama a si crianças e jovens desde tenra idade. Seja na praia, na rua, na escola ou onde surgir, ‘o esférico’, é certo que os amantes de futebol se vão juntando, mesmo sem se conhecerem. É como um ritual. Primeiro observam quem está a jogar, aproximam-se, perguntam se podem entrar, inteiram-se do tipo de jogo «altinha, quem marca vai, fazer jogo», cumprimentam-se e entram. À medida que os jogadores vão entrando, a roda ou as equipas aumentam, as regras adaptam-se. Há sempre lugar para mais um. É um espaço de divertimento, mas também de exibição de habilidades de forma descontraída.
Quando se entra para uma equipa de futebol as coisas mudam um bocadinho – mesmo com os mais novos e quando se anuncia nos primeiros dias que as crianças estão ali para brincarem e para se divertirem -, a exigência torna-se cada vez maior e chega de várias frentes. Não só dos treinadores, que têm uma equipa que é vista como o reflexo do seu trabalho, mas também dos pais.
Por vezes chega a ser chocante assistir a um jogo de futebol de crianças.
Os chamados ‘treinadores de bancada’, que são os pais das crianças em campo, vivem imensamente o jogo, talvez com mais intensidade do que os jogos da Primeira Liga.
É mais forte do que eles. Quase não conseguem estar sentados, é como se tivessem formigueiro no corpo. Começam frases que não acabam e que se atropelam a cada movimento no campo, acabam outras que mais valia ficarem a meio, gesticulam constantemente, gritam, passam as mãos na cara e na cabeça como que para lavar as ideias, insultam o árbitro, o treinador e os próprios filhos.
Naquele momento – que pode durar mais de uma hora – perdem o controlo. A diferença para quando estão a torcer pela sua equipa em frente da televisão ou no estádio é que ali sentem que podem ter uma influência real no decorrer do jogo e nos jogadores. É como se eles fossem um prolongamento seu, uma espécie de fantoches ou bonecos de vodu que respondem ao seu comando.
Alguns chegam a dar grandes raspanetes aos filhos quando o jogo termina. Querem que eles sejam melhores, melhores do que os outros. Como eles também gostariam de ser ou de ter sido. Uns esquecem-se das razões pelas quais inscreveram ali os filhos. Outros inscreveram-nos para isso mesmo. Não entendem que os inibem, que os fazem sentir fracassados, inseguros, que os envergonham e entristecem.
Estes jogadores, embora entrem em competições e torneios, estão ainda muito longe de serem adultos e muito menos profissionais. Muitos deles ainda são crianças, mas tratam-nos como se alguma coisa de muito importante no seu desenvolvimento ou no seu futuro dependesse daqueles jogos. Não fazem por mal, é certo, acreditam que estão a fazer o melhor pelos filhos, esquecendo-se que esta altura da vida devia estar longe de responsabilidades e exigências deste tipo, que são os elogios e o reforço positivo que os faz avançar e melhorar com confiança. Que o desporto não faz sentido se não for encorajador, motivante, divertido! Que os insultos e a falta de confiança só vão contribuir para uma derrota pessoal, mesmo quando a sua equipa ganha.