Acabar com as eleições para salvar a democracia

Chegamos ao ponto em que os média ditos progressistas e o seu séquito de opinadores concluíram que o melhor modo de defender a democracia seria acabar com as eleições, ou mesmo retirar ao povo o direito de escolher os seus representantes.

Há uma frase erradamente atribuída a Churchill que diz que os novos fascistas serão aqueles que se designam antifascistas. Essa afirmação retrata de facto este tempo em que sob a capa da democracia, da liberdade e da tolerância, assistimos em sistemas ainda democráticos, há imposição brutal do pensamento único e de uma perversão da democracia, onde apenas há uma escolha possível que deve ser identificada com o bem. Recordo-me também de um tirano que prometia salvar as pessoas do fardo da liberdade.

No século XXI os cidadãos são menorizados como idiotas consumidores que devem decidir de acordo com aquilo que lhes é ditado pelos média do sistema. Neste sistema até as boas forças da oposição, para que a democracia não se encontre em perigo, segundo a sua retórica, são, na verdade, variações do mesmo, simulando pequenas diferenças cénicas. Esta atmosfera faz lembrar o título de um filme muito interessante, Idiotocracy. Ora, os cidadãos não devem ser idiotizados, mas sim, terem acesso à boa e verdadeira informação, factual, rigorosa e plural, e a condições para decidirem sempre de modo independente e autónomo.

As eleições americanas, independentemente do mérito dos candidatos, foi um exemplo notável, da demonização de uma parte em disputa que é verdadeiramente uma alternativa aos simulacros de oposição. Começa de facto no ocidente a surgir uma verdadeira oposição e alternativa a um sistema que tem traído as pessoas. Essa oposição é diversa em cada país, e ainda é cedo para precisar a sua qualidade, mas há duas evidências básicas, a vida do ocidental é cada vez mais precária e desestruturada e o sistema é crescentemente antidemocrático satisfazendo apenas as suas elites e clientelas.

As contramanobras de manutenção do poder desse sistema já não são democráticas e as evidências são óbvias, perigosas e até caricatas. Chegamos ao ponto em que os média ditos progressistas e o seu séquito de opinadores concluíram que o melhor modo de defender a democracia seria acabar com as eleições, ou mesmo retirar ao povo o direito de escolher os seus representantes. O povo quando não escolhe o candidato certo, não sabe decidir, não tem competência e conhecimento para tal. Comparam até, e vale tudo nessa comparação, desde erros e mentiras, por ignorância e má-fé, a escolha de Trump com a ascensão do nazismo, como se fosse comparável a tradição americana e a Alemanha dos anos 30.

Em Portugal, o exemplo que conhecemos mais de perto, dos média como a SIC e a TVI /CNN, a publicações como o Expresso e o Público, na maior parte dos casos sobre essas eleições, não acertaram uma previsão ou uma análise, transformando-se em motivo de chacota fora dos seus universos fechados e acríticos. Se a razão de tanto facciosismo é económica, se por motivos de sobrevivência, se por assunção que um meio de comunicação deve ser a extensão de uma ideologia, se por ignorância da realidade ou mero mimetismo da lógica progressista, ficará ao cuidado do leitor identificar.  Na verdade, perdeu a informação. Atrevo-me a dizer que nunca em tão pouco tempo do lado do “bem”, porque nestes tempos maniqueístas regressou o supremo bem e o mal sem remissão, houve tantas fake news, manipulação e desinformação, o que descredibiliza e expõe ao ridículo.

Um semanário nacional, numa bizarra e distorcida noção de democracia, foi claro desde o início deste pleito, havia o candidato democrata e o outro, o mal, portanto, a escolha seria entre a democracia e a liberdade e o seu fim. Que autoridade têm estes média para estas sentenças? Recordar que o século XXI liberal progressista não é grande coisa, mas referimo-nos aos EUA, que é apenas o sistema com mais democraticidade, apesar de todos os defeitos, do planeta, onde há de facto pluralidade, debate e contraditório e não apenas simulações.

O monstruoso Trump para a imprensa esquerdista e progressista será o fim da democracia. Todos os seus atos e escolhas são retratados como monstruosos, recuperando uma lógica infantil dos unicamente bons contra o unicamente maus. Esquecem intencionalmente que Trump já foi presidente durante quatro anos, e curiosamente sucedeu ao Messias na Terra, Obama. Não é estranho que depois de tanto bem, tanta democracia e prosperidade, o povo mais livre da terra escolha a encarnação do mal? E não é estranho que perante a decência, a democracia e o último estádio da civilização, com Kamala e Waltz, os americanos voltem a escolher o demónio do mal? E que tal começarmos a pensar um pouco, especialmente certos média, e não serem apenas agências de propaganda. Alguns argumentam até que essa escolha se deve à usual ignorância do americano, claro, comparemos, por exemplo, o número de prémios nobel desse país, com a quantidade de premiados de Portugal e até com as nossas escolhas políticas.

Muitos comentadores e escribas dos média já citados parecem alunos básicos de uma escola de aprendizes de Marcuse e Trotski. Pregam uma versão de democracia e tolerância, que mais não é que a submissão total a uma das partes, escolher verdadeiramente será inaceitável, só há uma escolha possível. A boa tolerância, a deles, é libertadora. Esta consiste, numa definição simplista, na intolerância contra os movimentos de direita e na tolerância para com os movimentos de esquerda. Ora, a direita, em democracia, não é aquela que a esquerda permite, essa é apenas uma ficção, uma farsa…

A lógica imposta por esta gente é muito simples, afinal o que é na novilíngua ser democrata?: “ou concordas comigo e vives como eu quero, ou és um ignorante, preconceituoso e fascista”… Tudo o que vem da esquerda é considerado bom, agora chamam liberal à esquerda, tudo o que não vem da esquerda (a nova, liberal, elitista e chique) é mau. Devemos então ser tolerantes com tudo o que vem da esquerda, seja o terrorismo antissemita, a destruição de património público e privado, como vemos nas manifestações pró-Palestina, nos movimentos ditos contra as alterações climáticas, seja nos motins desencadeados pelo acirrar de conflitos étnicos, etc. E temos de ser implacáveis contra o fascismo dos movimentos que defendem a família, a vida, as tradições, os valores, a história, a cultura e a soberania nacional…

Estas elites querem impor uma tirania da sua minoria, que se julga iluminada e esclarecida, ora, a democracia é precisamente o oposto da tirania, seja de minorias ou maiorias.

Este viés de um novo esquerdismo só tem corroída a democracia ocidental com o seu maniqueísmo e fundamentalismo, vejam-se os casos, já não só da redefinição do que é o significado de escolha livre dos eleitores, que pelos vistos devem obedecer às redações dos média liberais de esquerda, como da liberdade de expressão e até do humor. Eu posso dizer e brincar com tudo se for de esquerda, mas se for de direita há limitações sobre a minha opinião e as minhas piadas, para não ser ofensivo. Há a censura boa e a censura má.

Essa minoria tem o monopólio de verdade e do bom uso das ideias e até do humor. As maiorias têm então de ser criminalizadas pelas suas escolhas e opiniões e reeducadas no caminho da verdade. Essa minoria esclarecida tem também o direito de silenciar, ostracizar e destruir os seus adversários, pois o faz em nome do bem.  Ora, este progressismo e esquerdismo do século XXI segue apenas o odioso do pior do humano que encontramos desde a inquisição, aos jacobinos, e às polícias políticas dos fascismos e comunismos. Ei-los, de novo, escondidos sob vestes progressistas e esclarecidas. O novo liberalismo e o novo esquerdismo são, na verdade, até versões patológicas dessas ideologias. É preciso dar luta sem tréguas a estes totalitários, mesmo que travestidos de defensores da democracia.