Durante uma audiência na Santa Sé, o Papa Francisco expressou profunda preocupação com o aumento dos atos de violência e suicídio entre os jovens, classificando-os como “sinais de um mal-estar preocupante e complexo”. Destacou que muitos desses casos permanecem ocultos, agravando a dimensão do problema.
O pontífice apontou que essa realidade reflete uma transformação cultural e antropológica significativa. Para enfrentá-la, Francisco defendeu a criação de uma “aldeia de educação”, onde todos partilhem o compromisso de construir redes de apoio baseadas em relações humanas e solidárias. “Muitos jovens perderam a capacidade de sonhar e é essencial que sejam incluídos em iniciativas que promovam dignidade, seja no trabalho, na família ou na sociedade”, afirmou.
Francisco também incentivou o Conselho Nacional da Juventude italiana a fomentar a participação ativa dos jovens em diferentes níveis da sociedade, promovendo valores como solidariedade e inclusão. “Há muitos que não têm voz, seja pela pobreza, falta de educação ou dependências, e precisam de oportunidades para recuperar sua dignidade”, destacou.
Suicídio como desafio global
A preocupação do Papa com o suicídio entre os jovens não é nova. Em 2020, já havia utilizado o Dia Mundial para a Prevenção do Suicídio, celebrado a 10 de setembro, para chamar à atenção para a gravidade do tema. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 800 mil pessoas decidem pôr um ponto final à própria vida anualmente, colocando o suicídio entre as principais causas de morte de pessoas entre os 15 e 29 anos no mundo.
Em Portugal, por exemplo, a taxa de mortalidade por suicídio entre jovens atingiu, em 2022, níveis que não eram vistos há mais de duas décadas. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), na faixa etária dos 15 aos 24 anos, o índice subiu para 4,9 por 100 mil habitantes, representando 53 óbitos nesse grupo. Além disso, outros quatro casos foram registados entre crianças entre os 10 e 14 anos.
A evolução dos números é evidente: em 2021, a taxa de mortalidade por suicídio entre jovens era de 3,2 por 100 mil habitantes, tendo saltado para 4,9 no ano seguinte. Este aumento ultrapassa os 4,3 registados em 2002, o primeiro ano com dados disponíveis no portal do INE. Entre os rapazes, a taxa alcançou 7,4, enquanto entre as raparigas ficou em 2,3.
A nível nacional, a taxa de mortalidade por suicídio também cresceu, passando de 9 para 9,9 por 100 mil habitantes no mesmo período.
Uma visão de misericórdia
O Papa também abordou o tema sob a ótica espiritual. Em 2018, expressou a sua crença de que os suicídios nem sempre resultam de plena liberdade, mencionando a misericórdia de Deus como uma fonte de esperança. Citando o exemplo do Cura d’Ars, que consolou uma viúva dizendo que “entre a ponte e o rio está a misericórdia de Deus”, Francisco reforçou a ideia de que até mesmo em momentos extremos, o amor divino pode estar presente.
Francisco associou o aumento dos suicídios à falta de “paixão pela vida”, enfatizando a necessidade de que famílias e comunidades cultivem esse sentimento nos jovens. “Muitas vezes, as dificuldades não são enfrentadas com paixão porque ninguém a semeou”, afirmou, convidando todos a viverem com entusiasmo e propósito.
Com essas reflexões, o Papa Francisco reitera o seu apelo para que a sociedade enfrente a questão do suicídio juvenil com empatia, ação coletiva e uma visão que dê prioridade à dignidade humana.
A PERSPETIVA DA IGREJA CATÓLICA EM CONSTANTE MUDANÇA
A Igreja Católica, ao longo da História, tem abordado o suicídio de maneira complexa, com ênfase na misericórdia divina, na dignidade da vida humana e na importância da ajuda espiritual e emocional para prevenir esta problemática. Embora a doutrina católica tradicionalmente considerasse o suicídio um pecado grave, especialmente em tempos passados, há uma abordagem mais compassiva e pastoral no presente, considerando o sofrimento psicológico que pode levar uma pessoa a tirar a própria vida.
Historicamente, a Igreja Católica via o suicídio como um pecado mortal, uma vez que violava o mandamento “Não matarás” e tirava a vida que Deus havia dado. No entanto, com o tempo, a Igreja foi enfatizando mais a importância das condições psicológicas e espirituais que podem levar ao suicídio.
Atualmente, a Igreja reconhece que muitos suicídios ocorrem num contexto de sofrimento mental e emocional profundo e que, nesses casos, a pessoa pode não ter plena responsabilidade moral no momento do ato. O Papa Francisco tem enfatizado a misericórdia divina, afirmando que, em casos de suicídio, Deus pode oferecer perdão, dado o sofrimento profundo que a pessoa experimentou. No entanto, existem outras personalidades que também seguiram esta perspetiva.
João Paulo II, um dos papas mais influentes do século XX, também teve um papel importante na abordagem pastoral do suicídio. Durante o seu papado, afirmou que a Igreja deveria tratar o suicídio com “profunda compaixão e compreensão”, dado o sofrimento humano que pode levar a tal ato. Embora ainda mantivesse a posição de que o suicídio era um pecado, João Paulo II sublinhou que, em muitos casos, a pessoa envolvida no ato não agia com plena liberdade, sendo frequentemente afetada por doenças mentais ou outras formas de sofrimento psicológico.
Doutrina Pós-Vaticano II
Após o Concílio Vaticano II, a Igreja fez a revisão de algumas das suas abordagens mais rígidas em relação ao suicídio. Os teólogos começaram a enfatizar que os suicídios cometidos em circunstâncias de extrema dor ou distúrbios psicológicos poderiam não ser considerados como um ato de pecado pleno. Em 1983, o Catecismo da Igreja Católica foi revisto, e a Igreja começou a ensinar que “não se pode afirmar que a pessoa que comete suicídio seja automaticamente condenada”, pois não se sabe o grau de liberdade e a responsabilidade da pessoa no momento do ato. A Igreja ainda ora pelas vítimas de suicídio, pedindo a misericórdia de Deus sobre elas.
A prevenção do suicídio na Igreja
Além disso, a Igreja Católica tem trabalhado para prevenir o suicídio, com ênfase na importância do apoio social e espiritual para as pessoas que enfrentam dificuldades. O Papa Francisco tem enfatizado a necessidade de “abertura de coração” para os outros, particularmente os mais vulneráveis, como aqueles com doenças mentais. A Igreja tem procurado oferecer espaços de apoio, como grupos de oração, aconselhamento espiritual e apoio psicológico, especialmente em comunidades religiosas.
Para além de Francisco e João Paulo II, existem outros exemplos. Luis Antonio Tagle, Cardeal de Manila, nas Filipinas, tem sido uma voz importante na Igreja Católica na defesa de políticas de saúde mental, especialmente nos países mais pobres. Fala da importância de entender as raízes do sofrimento psicológico e da solidariedade para prevenir tragédias como o suicídio.
A Igreja Católica procura equilibrar a doutrina tradicional com a misericórdia e a compreensão do sofrimento humano. Embora o suicídio ainda seja visto como algo trágico e que envolve uma violação da vida dada por Deus, a Igreja enfatiza que a misericórdia divina está disponível para aqueles que sofrem profundamente e que a Igreja deve ser um lugar de apoio, oração e ajuda para prevenir este desfecho.