Pela estrada do Suro

O sol instala-se por cima das ilhas que são florestas. Um sol largo de trópicos. As águas sobem pela força das marés e tapam as faixas de areia. Uma brisa roça pela superfície e cria ondas minúsculas. Depois o caminho.

BISSAU – Gosto das noites em África. Corrijo: gosto das noites e ponto. É por elas que voam os morcegos do que penso, é nelas que escrevo até ao raiar da Aurora. Acho que é por causa dos sons: quando a fruta-pão cai da árvore, os ganidos dos cães famintos pelas ruas, vozes suaves de quem não se deita, pássaros cujo canto não consigo traduzir porque muitos não conheço. Talvez aqui piem em fula, quem sabe? Entretido com os sons e com as letras não durmo. Mal nasce o sol caminho para sul neste país sem estradas e de picadas contínuas. Um bafo grosso respira da terra vermelha. Às vezes as acácias estão tão em sangue que cegam. E os rios, sempre os rios, não sei viver sem rios. Saímos por Quelêle. Depois Ponta Gardele e Prábis. Para chegar ao Suro é preciso ter a espinha direita, mas talvez regressemos com ela torta. Põem-nos ostras sobre a mesa. Passaram primeiro pela grelha e temos que as abrir com facas pequeninas. Pequeninas como as próprias ostras por dentro, embora grandes por fora. Inspiro um ar mole que me enche os pulmões devagar. O sol instala-se por cima das ilhas que são florestas. Um sol largo de trópicos. As águas sobem pela força das marés e tapam as faixas de areia. Uma brisa roça pela superfície e cria ondas minúsculas. Depois o caminho. O caminho de crateras, o carro que teima e manter-se inteiro, garotos que passam de bicicleta, grupos reunidos em volta de uma tabanca de bananas e amendoins. O vento calou-se no segredo dos mangais. E eu recordo Bernardo Soares no seu desassossego: «Para viajar basta existir».