Há vários dias que se fala nas falhas do INEM, assunto sobre o qual os media têm dedicado imensas horas, nomeadamente na greve levada a cabo pelos seus profissionais, que poderá ter levado à morte de pessoas, que a Ministra e a Secretária de Estado se poderão demitir, que podem ser acusadas de nada terem feito, etc.
Não faço ideia das responsabilidades a apurar, mas queria aproveitar para fazer aqui uma reflexão e colocar algumas questões relacionadas com assuntos semelhantes.
- Os funcionários públicos estão constantemente em greve, inclusive na saúde, prejudicando a vida a milhões de pessoas que não se podem dar a esse luxo. Neste caso específico pergunto, se o Governo fizesse uma requisição civil ou exigisse serviços mínimos, como seria o comportamento dos media, dos partidos, dos funcionários públicos e dos sindicatos?
- Conheço pessoas que, devido a greves, viram os seus tratamentos ao cancro interrompidos. Inclusive na pandemia morreu um amigo por lhe terem interrompido os tratamentos (só a COVID importava). Pediu-se responsabilidade a alguém?
- O INEM chegou a este estado, por culpa de um governo com 7 meses ou por culpa de um Governo dos últimos 8 anos que desinvestiu no sector público em geral e na saúde em particular? Não deixa de ser interessante os media procurarem nos Ministros e Secretários de Estado do anterior Governo, com responsabilidades no passado, os comentários sobre a actuação deste Governo.
- Os Governos anteriores, nomeadamente durante a pandemia, cometeram erros gravíssimos que certamente levaram à morte de muitas pessoas. A título de exemplo, enviei vários e-mails ao Governo, com sugestões minhas e de vários colegas, para alterarem decisões erradas (algumas alteraram). Responsabilidades?
- Durante a pandemia existiu o caos nos hospitais em muitas ocasiões por falta de camas. Lembram-se? O Governo ordenou que nos cuidados continuados apenas houvesse quartos individuais (fossem duplos ou triplos apenas podiam ter uma pessoa). Nos cuidados paliativos a taxa de ocupação rondou sempre os 50%. Responsáveis?
- Na crise do oxigénio, bem como na crise da falta de camas, enviei e-mail aos conselhos de administração dos hospitais da região de Lisboa a disponibilizar as nossas instalações com 25 camas (e com oxigénio, claro). De seguida uma colega ligou a essas administrações a insistir. Nem uma respondeu. Vários profissionais de saúde, nomeadamente enfermeiros, comentaram que encontraram pessoas mortas na mudança de turno, precisamente por falta de oxigénio. No entanto, o Governo anunciou que ninguém morreu. Onde estavam os media para aprofundar o que aconteceu? Onde está o apuramento de responsabilidades nestes casos?
- Nos hospitais públicos é frequente não haver bons cuidados, pessoas que não tomam banho durante vários dias, não cortam unhas nem cabelo, “ganham” buracos no corpo (úlceras de pressão por falta de cuidados), etc. Até escrevi um artigo de opinião com humor a falar neste assunto. Onde anda o apuramento de responsabilidades?
- Os Governos anteriores acabaram com as parcerias público-privadas que prestavam um melhor serviço ao cidadão e a um preço mais barato. Agora, onde antes era bom, virou a bandalheira e o caos. Responsáveis?
Para concluir, apenas quis aproveitar este artigo e o tema do INEM para aqui denunciar muitas situações graves que se passaram e ainda passam. Assim como denunciar os dois pesos e duas medidas que a comunicação social tem consoante os Governos são de Esquerda ou de Direita e a falta de vergonha que existe na luta político-partidária, nomeadamente de quem teve responsabilidades governativas e levou o SNS a este caos. Parece um déjà vu de 2011 em que aqueles que levaram o País à falência, uma semana depois estavam contra o documento que assinaram e que provocou todas as medidas duras que o País sentiu de seguida. Não digo que não haja responsabilidades a sacar a este Governo, mas tenho a certeza absoluta de que há muitas e enormes responsabilidades a sacar ao Governo anterior pelo estado a que deixou chegar o INEM, a Saúde e o País em geral.
Gostava muito que a comunicação social em Portugal fizesse o seu papel de escrutínio e verdadeiro jornalismo, ao invés de termos jornalistas comentadores e de maioritariamente convidarem políticos, ex-políticos e pessoas com ligações a partidos para comentar todo e qualquer assunto. Exemplo disto mesmo, foram as eleições americanas com uma tentativa de lavagem ao cérebro dos portugueses de que “Kamala era boa e Trump era mau”. Às tantas, fiz a seguinte pergunta: mas os portugueses votam nas eleições americanas?
Políticos e jornalistas não nos tomem por parvos, trabalhemos todos para o apuramento da verdade e para resolver os problemas da saúde. E já agora, os outros problemas também. Os portugueses agradecem.
Presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados