“A COP é demasiado vulnerável à corrupção e ao lobby empresarial”

Mariana Gomes quer provar que a COP também é para jovens. A fundadora da Associação Último Recurso é uma das delegadas presentes na cimeira climática, mesmo contra a vontade do Ministério do Ambiente.

Com a 29.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP29) como pano de fundo, Mariana Gomes, fundadora da associação jovem pela justiça climática Último Recurso, deixa críticas à organização «ineficaz» da cimeira climática, à «falta de transparência» do Governo português e ao silêncio do Ministério do Ambiente. A jovem de 23 anos foi uma das escolhidas pela Organização Mundial das Migrações (OIM) como delegada para participar na COP, que decorre de 11 a 22 de novembro no Estádio Olímpico de Baku (Azerbaijão).

O formato da COP, como fórum de negociação, é realmente eficaz ou só um palco de compromissos vagos?

A COP é o único espaço multilateral com acordo e mandato para se debater as alterações climáticas e possíveis soluções conjuntas. Se é eficaz? Não. A COP é um espaço demasiado vulnerável à corrupção institucional e a lobby empresarial. Os compromissos são claramente insuficientes. Daqui resulta a importância da presença de uma sociedade civil forte e diversa neste espaço.

Como levar a sério uma cimeira climática quando o próprio chefe executivo da COP29, Elnur Soltanov, é apanhado a discutir possíveis acordos sobre combustíveis fósseis?

A questão será mais: como levar a sério o discernimento dos governos e entidades que perpetuam a crise climática na escolha de representantes que ‘resolvem’ a crise climática. Enquanto as novas gerações não liderarem estes processos e se assistir a uma perpetuação de privilégios e ciclos de poder, nenhuma crise será combatida.

Portugal leva algum plano concreto para a COP29?

Infelizmente, a falta de transparência e acesso à informação não me permite responder. Portugal nem sequer tem um website dedicado à COP29. Não precisamos de ir muito longe para ver o exemplo de como o fazer, basta olhar para Espanha.

Quais são as suas expectativas para esta COP em termos de ações concretas contra a crise climática?

A Adoção da Nova Meta de Financiamento (NCQG), alinhada com a proposta dos três triliões por ano de financiamento para o Sul Global e definição de mecanismos de transparência e controlo. O NCQG não pode ser empurrado para o setor privado sob pena de dar a investidores uma orientação para a ambição climática pós-2025. Se esta procura não for satisfeita, os custos poderão ascender a 1,266 triliões de dólares até 2100, num cenário de 1,5°C, de acordo com a Climate Policy Initiative. Um compromisso para entrega de NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada) – compromissos que os países assumem para reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa como parte da mitigação das mudanças climáticas –, em 2025, mais ambiciosos alinhados com a ciência climática (o cenário atual de políticas prevê um aumento de três graus até ao final do século). Esperamos que Portugal demonstre a metodologia para a implementação dos NDCs, incluindo definição de targets, acordos institucionais a serem desenvolvidos, composição dos órgãos nacionais, mecanismo de follow-up, meios de implementação que considerem a adaptação, mitigação e perdas e danos, componentes de avaliação técnica e fontes de inputs. No próximo balanço global deve ser dada prioridade à consideração de questões transversais, como o género, a equidade, os direitos humanos e a inclusão social, e a garantia de sinergias com quadros de cooperação internacional e acordos multilaterais relevantes fora do Acordo de Paris. Compromisso de adoção dos NAPs (Planos Nacionais de Adaptação), assente no princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas. As discussões devem parar de versar sobre resultados processuais e substantivos ou recomendações para melhorar os processos e passarem a ser pragmáticas e específicas.

Acusou publicamente o Ministério do Ambiente e da Energia (MAE) de excluir a associação Último_Recurso da delegação portuguesa. Como olha para o indeferimento dado pelo MAI, cinco dias antes do início da conferência?

Sugiro que questione diretamente o Ministério do Ambiente e da Energia. Eu não tenho respostas porque ninguém me responde.

A Último Recurso é também conhecida por ter processado o Estado português por incumprimento da Lei de Bases do Clima. Em que fase está o processo?

Já desceu à primeira instância. Aguardamos contestação do Estado enquanto fizemos uma série de pedidos de acesso à informação ao MAE e ao Ministério das Finanças.

Falta litigância climática em Portugal? Acha que outros cidadãos e/ou associações também deveriam ir a tribunal exigir ao Estado o cumprimento de leis climáticas?

O recurso ao sistema judicial não só é legítimo como é essencial para a defesa do Estado de Direito e da justiça climática. Ao colocar a crise climática na agenda judicial, não só pressionamos os decisores políticos a agirem, como também consolidamos o direito fundamental a um ambiente saudável, de modo a salvaguardar os direitos das gerações que herdarão as consequências da inação. A litigância é a ferramenta de responsabilidade, transparência e democracia mais poderosa que temos neste momento.

A pensar no futuro, como estará o país e o mundo daqui a 10 anos, em termos ambientais? A ciência prevê cenários catastróficos se continuarmos na atual trajetória. O país e o mundo estará acima dos 1,5°C independentemente das medidas estabelecidas. A circulação que governa os nossos oceanos e atmosfera estará à beira do colapso. Teremos furacões a atingir Portugal com o colapso do centro de pressão alta nos Açores. E o jet stream que regula as temperaturas da Europa estará tão enfraquecido que a probabilidade de continuar a existir gelo no círculo polar ártico será baixa. Os invernos serão menos frios. E o verão mais quente. O número de mortes e refugiados será incalculável. Exigir responsabilidade jurídica dos Governos não só é um direito constitucional como um dever imperativo para garantir que todas as medidas são tomadas a um ritmo que diminua o potencial de morte e destruição. Não estamos nesse caminho ainda. Continuam a morrer pessoas por negligência e falta de resposta à crise climática.