O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) apresentou uma proposta que pode alterar profundamente a estrutura e as operações da Google. Entre as medidas sugeridas está a venda do navegador Chrome, como parte de um esforço para encerrar o domínio da empresa no mercado de pesquisas online. A sugestão é consequência de uma decisão judicial histórica em agosto, quando um tribunal federal determinou que a Google exerce um monopólio ilegal no setor de pesquisas.
No documento submetido ao tribunal federal de Washington, o DoJ propõe, além da venda do Chrome, uma proibição de cinco anos para que a Google retorne ao mercado de navegadores, o fim dos pagamentos a empresas como a Apple para que o motor de busca seja o padrão nos seus dispositivos e, caso essas soluções não sejam eficazes, a venda do sistema operacional Android.
Outra proposta apresentada pelo DoJ exige que a Google permita que editores e criadores de conteúdo bloqueiem o uso dos seus dados para o treino de modelos de inteligência artificial. Também foi sugerido que o índice de pesquisa da Google – um enorme banco de dados de páginas da web rastreadas – seja partilhado com concorrentes, juntamente com os seus resultados de pesquisa.
Estas propostas serão avaliadas pelo juiz Amit Mehta, responsável pelo caso, que decidirá no próximo ano que medidas serão implementadas. A Google também poderá apresentar alternativas e uma audiência foi agendada para abril, quando ambas as partes exporão os seus argumentos.
De acordo com o Departamento de Justiça, é essencial restabelecer a concorrência num mercado dominado pela Google, que faz parte do conglomerado Alphabet. “O campo de jogo não é equilibrado por causa da conduta da Google e a qualidade dos serviços da empresa reflete as vantagens obtidas ilegalmente”, afirmou o DoJ. “A solução deve fechar essa lacuna e privar a Google dessas vantagens”.
A ideia de obrigar à venda do Chrome já havia sido mencionada pelo DoJ anteriormente nesta semana. O órgão afirma que tal permitiria a concorrentes da Google no mercado de pesquisas aceder a um navegador que, “para muitos utilizadores, é um portal para a internet”. A estimativa é de que o Chrome possa ser avaliado em até aproximadamente 19 mil milhões de euros.
Atualmente, a Google controla cerca de 90% do mercado global de pesquisas e o Chrome é responsável por mais de 50% do mercado de navegadores nos Estados Unidos. “O comportamento ilegal da Google privou concorrentes não apenas de canais de distribuição essenciais, mas também de parceiros que poderiam permitir a entrada de novas empresas nesses mercados de formas inovadoras”, argumentou o DoJ.
Outra recomendação do Departamento de Justiça é proibir a Google de adquirir ou investir em empresas concorrentes no mercado de pesquisas, tecnologias de publicidade ou produtos de inteligência artificial baseados em consultas.
O presidente de assuntos globais e diretor jurídico da Google, Kent Walker, classificou as sugestões do DoJ como “radicais e excessivas”, alertando que estas podem “destruir” muitos dos produtos da empresa e comprometer a segurança e privacidade dos utilizadores nos EUA. “(O) DoJ escolheu promover uma agenda intervencionista radical que prejudicaria os americanos e a liderança tecnológica global dos Estados Unidos”, declarou Walker.
O posicionamento do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, também será determinante para o desenrolar do caso, que será conduzido por uma nova administração e um novo procurador-geral. Embora o processo tenha sido iniciado durante o governo Trump, o novo Presidente fez comentários contrários à ideia de um desmembramento da empresa. Em outubro, durante um evento da Bloomberg News, Trump disse que dividir a Google poderia “destruir a empresa” e afirmou que “a China tem medo da Google”. Apesar disso, também acusou a empresa de destacar notícias negativas sobre ele nos seus resultados de busca.
Casos semelhantes
A União Europeia aplicou várias multas bilionárias à Google, acusando-a de abusar da sua posição dominante no mercado de pesquisas, publicidade online e sistemas operacionais móveis (como o Android). Em 2017, a Google foi multada em 2,31 mil milhões de euros por favorecer o seu serviço de comparação de preços no motor de busca. No ano seguinte, recebeu uma multa recorde de 4,14 mil milhões de euros por práticas relacionadas com o Android. Em 2019, foi multada em 1,42 mil milhões de euros por práticas anticompetitivas em publicidade online.
Mas existem outros casos com os quais podem ser estabelecidos paralelismos. No período compreendido entre 1969 e 1982, o governo dos EUA processou a IBM, acusando-a de monopolizar o mercado de computadores mainframe. Após 13 anos, o caso foi encerrado sem uma decisão judicial. Apesar disso, a IBM passou a enfrentar concorrência mais significativa, em parte devido às mudanças no mercado de tecnologia.
Entre 1998 e 2001, a Microsoft foi acusada pelo Departamento de Justiça dos EUA e por estados americanos de usar práticas anticompetitivas para dominar o mercado de sistemas operacionais e navegadores, especialmente ao integrar o Internet Explorer no Windows. Embora o tribunal tenha inicialmente ordenado a divisão da Microsoft, a empresa conseguiu evitar o desmembramento ao negociar um acordo que limitava algumas das suas práticas. Este caso foi central para discussões sobre monopólios tecnológicos.
Em 2020, a Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC) e procuradores estaduais processaram o Facebook, alegando que as suas aquisições do Instagram e WhatsApp eram práticas para eliminar concorrentes. O caso está em andamento. Recentemente, tribunais americanos permitiram que partes da ação continuassem, pressionando a Meta para justificar as suas práticas.