Apresentada como “o melhor sítio para viver no futuro”, The Line é a megacidade que está a ser construída no deserto da Arábia Saudita, com uma extensão de 170km, praticamente a distância entre Lisboa e Coimbra. O projeto megalómano está a gerar controvérsia devido a alegadas mortes e despejos de tribos e a utilização de mão de obra barata. “É uma cidade trituradora de carne”, critica um especialista em urbanismo.

Há muito que a Arábia Saudita é sinónimo de megalomania. Desde os arranha-céus estratoféricos às construções futuristas, a obsessão por projetos titânicos e ambiciosos já faz parte da história de um dos países mais ricos em petróleo do mundo.

Dentro do projeto inovador Neom – uma das iniciativas mais ambiciosas do mundo para o desenvolvimento urbano e tecnológico – foi anunciada em 2017, pelo príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, a megacidade The Line.

Apresentada como «o melhor sítio para viver no futuro», a cidade vertical The Line, localizada no deserto da Arábia Saudita, terá uma extensão de 170 quilómetros, praticamente a distância entre Lisboa e Coimbra, com capacidade para abrigar até 9 milhões de pessoas.

«Este projeto tem as características daquilo que é uma urbanização intensiva, que implica uma injeção de capital muito poderosa», explica Luís Mendes, geógrafo no_CEG, IGOT-UL, e especialista em temas de urbanismo. «É uma cidade que desafia a lógica do meio natural. É um pouco como Las Vegas, uma cidade que é criada no meio do nada».

Ao contrário de Las Vegas, o The Line pretende ser 100% sustentável com zero carros, zero estradas, zero emissões de CO2. Em vez de ser uma cidade expandida em todas as direções, será uma construção em linha reta (como o nome indica), com apenas 200 metros de largura e aproximadamente 500 metros de altura (quase a altura de um arranha-céus).

Inicialmente esperava-se que teria, em 2030, 1,5 milhões de residentes, e, neste momento, espera-se que o empreendimento abrigue menos de 300 mil pessoas até essa data.

O projeto é uma peça central do Vision 2030, um plano nacional da Arábia Saudita para diversificar a sua economia, reduzir a dependência do petróleo e impulsionar setores como turismo, inovação, sustentabilidade e tecnologia.

«Estamos num mundo mais competitivo e as cidades são as arenas onde essa competição se trava. Hoje, as cidades competem para atrair residentes, economia, mão de obra e gerar fluxos», afirma Luís Mendes.

Megaprojeto está a consumir 20% de todo o aço do mundo

Além do The Line, outros desenvolvimentos do Neom incluem um resort de inverno chamado Trojena, 12 resorts de luxo (Magna), o resort na ilha de Sindalah e uma cidade industrial, chamada Oxagon.

Apesar de um dos seus pilares ser a sustentabilidade, este ambicioso projeto de construção está atualmente a consumir 20% do aço mundial, de acordo com declarações de um porta-voz do projeto.

«Neom será o maior cliente [em logística] na próxima década. Se olharmos para a nossa procura logística, ela representa 5% do mercado global», afirma Manar Al Moneef, diretora de investimentos de Neom, em declarações ao portal Arabian Gulf Business Insight.

The Line: uma cidade ‘trituradora de carne’

A construção do The Line está a ser feita numa área natural e remota, mas já começaram a surgir críticas sobre o deslocamento de comunidades indígenas, como a tribo Howeitat, para dar lugar ao projeto. Notícias recentes dão conta de que as autoridades da Arábia Saudita estariam a permitir o uso de força letal para desocupar o espaço e organizações de defesa dos Direitos Humanos afirmam que pelo menos 20 mil pessoas foram expulsas sem compensação adequada.

Luís Mendes afirma que «a acontecer é obviamente gravíssimo e mostra a contradição de uma nação que se quer mostrar ao mundo como progressista, até pela marca da transição energética, mas depois, na prática, olha para a vida humana de uma forma retrógrada e utilitarista».

«A cidade é construída tendo por base uma gentrificação daquele território e daquelas tribos, nasce de uma forma de opressão. A utilização de mão de obra barata confirma a ideia da cidade contemporânea como uma autêntica ‘trituradora de carne’», acrescenta.

Um exemplo (ou não) para cidades futuras?

Não há dúvida de que este novo projeto ambicioso pretende ser um espelho da Arábia Saudita como um país virado para o futuro e para o progresso, mas resta saber se é este o tipo de cidade que queremos no futuro.

Para o especialista em urbanismo Luís Mendes, o The Line «pretende representar o paradigma de uma cidade capitalista e progressista, mas é exatamente o contrário do que deveria ser uma cidade do sec XXI: uma cidade não vertical, que não dependesse do consumo tão grande de mão de obra e que não surgisse tendo por base a morte ou o despejo».

‘Mega cubo’. O maior prédio do mundo

Já começou a ser construído em Riad, na Arábia Saudita, aquele que deverá ser o maior prédio do mundo. Chama-se Mukaab e é um cubo gigante com 400 metros de altura, largura e comprimento. A previsão é que seja capaz de comportar cerca de 20 edifícios iguais ao Empire State Building, o arranha-céus de Nova Iorque com 102 andares.

No interior do cubo haverá espaço para mais de 100 mil apartamentos residenciais e nove mil quartos de hotéis, além de quase 930 mil metros quadrados de lojas. Estão previstas ainda atrações turísticas, áreas de lazer e centros culturais dentro do cubo, segundo a revista Architectural Digest.

«Definindo o novo horizonte de Riad, o Mukaab vai atrair visitantes de todo o mundo com o seu incrível entretenimento, restaurantes e lojas de última geração. O maior centro moderno do mundo. Esta é a nova face de Riad», pode ler-se no site do projeto.

No centro do cubo haverá ainda um edifício em espiral, com telas de vídeo das paredes ao teto, usadas para projeções ultrarrealistas, impulsionadas por inteligência artificial.

Este cubo monumental será a “joia da coroa” do New Murabba, um ambicioso projeto de desenvolvimento urbano planeado para a cidade de Riad, capital da Arábia Saudita. Anunciado em 2023 pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, o projeto abrangerá uma área de 19 km² e terá capacidade acomodar até 100 mil residentes.