Há muito que é sabido que as nações e as tradições são construções ideológicas, mas nem por isso menos reais na vida dos homens que as determinações biológicas para os animais. Os trabalhos de Eric Hobsbawm e Trevor-Roper sobre o papel da invenção das tradições na legitimação do nacionalismo são a esse respeito exemplares: mostram que os trajes através dos quais os escoceses celebram a sua identidade nacional são, na verdade, bastante modernos e a própria ideia de que existe uma cultura e uma tradição específicas das chamadas ‘Terras Altas’ não passa de uma invenção retrospectiva.
A parte mais divertida das conclusões desses historiadores é a demonstração de que o famoso kilt escocês é uma invenção de um industrial inglês e não a recuperação de uma tradição ancestral. «O kilt é uma vestimenta absolutamente moderna, idealizada e vestida pela primeira vez por um industrial quaker inglês, que não o impôs aos montanheses para preservar o modo de vida tradicional deles, mas para facilitar a transformação deste mesmo modo de vida: para os trazer das urzes para a fábrica», defenderam. E, já agora, vender saias.
Vivemos quase meio século sem nenhuma comemoração dessa data que hoje muito nos garantem ser seminal na democracia portuguesa. Mas todos sabemos que a sua imposição tem muito mais a ver com o presente do que com o passado.
Durante 49 anos, ninguém saiu à rua para comemorar o 25 de Novembro. Mesmo agora, aquilo a que se assiste é uma imposição administrativa de uma data aos portugueses de cima para baixo.
A data é apenas usada para reescrever a História e tornar ‘antidemocratas’ os que lutaram pelo 25 de Abril e transformar em ‘democratas’ o que estavam no bem bom no 24 de Abril.
Não é que a data não tenha tido importância na época. O 25 de Novembro significou o fim da esquerda militar, do recobrar do poder da hierarquia castrense que não tinha estado com o derrube da ditadura: centenas de militares das alas mais à esquerda do MFA foram detidos e demitidos. Mas as consequências não se ficaram por aqui, a grande maioria dos militares que participaram no 25 de Abril, mesmo os que ficaram do lado vencedor em 25 de Novembro, começaram a ser castigados, em termos de promoções, por terem ousado ultrapassar a hierarquia no derrube do fascismo em Abril de 1974.
O saldo do 25 de Novembro em termos de liberdades é igualmente duvidoso. Mais de 150 jornalistas são despedidos nos meios de comunicação do Estado, só em Lisboa, vêem as suas carreiras amputadas e são mandados ilegalmente para o desemprego.
Apesar disso, do ponto de vista político, nem o governo muda com o 25 de Novembro, nem a Constituição que consagra a revolução deixa de ser aprovada pouco tempo depois.
É verdade que o CDS vota contra o texto na globalidade, mas na especialidade vota muitos dos artigos revolucionários, como a sociedade sem classes.
Aliás, aquilo que caracterizou a direita nessa época foi a repetição histriónica da maioria dos slogans revolucionários. A comemoração retrospectiva do 25 de Novembro significa fingirem ter dito, na altura, coisas que calaram por oportunismo político.
A comemoração no parlamento do 25 de Novembro na próxima segunda-feira, mostra que a sociedade portuguesa está muito mais à direita, com partidos como o Chega e a Iniciativa Liberal, e a um passo de recuperar o 24 de Abril e criticar a revolução.
Relembremos, portanto, a essa gente: foi apenas o 25 de Abril que acabou com quase meio século de ditadura.