Lições das eleições americanas

A esquerda continua a apostar no Estado, quando já está mais do que comprovado que o Estado não é solução.

Já tinha havido antes o exemplo de Bolsonaro. Mas o Brasil não é uma grande potência, e, geopoliticamente considerado, sobrevive anichado numa coisa chamada o ‘Sul Global’ (os BRICS), que não assusta ninguém. O Brasil não conta à escala global, pelo que o poder do seu Presidente é e já era no tempo de Bolsonaro muito modesto. Mas Trump é hoje em dia o homem mais poderoso do Mundo, interna e externamente. Internamente conquistou o poder absoluto: a Presidência, o Congresso, o Supremo Tribunal. Pode fazer o que lhe apetecer. É extraordinário dizer isto de um homem que é um narcisista patológico, um carroceiro e um boçal com um programa sinistro: deportar milhões de pessoas que estejam ilegalmente nos EUA. Não contente com isso, tenciona travar e se possível retroceder a globalização económica instaurando novamente o proteccionismo alfandegário entre nações. Com estas duas medidas, nas quais se focou durante toda a campanha eleitoral, pretende fazer a América novamente grande – MAGA: Make America Great Again.
O mais extraordinário é que não lhe ouvimos uma única palavra dirigida ao povo mais ou menos necessitado. E foi este povo e o povo todo quem lhe deu a vitória eleitoral. Também não houve uma única concessão à ideologia das elites democráticas, muito preocupadas com problemas identitários e a identidade de género. Kamala, e bem, fez da liberdade e autonomia das mulheres uma das suas bandeiras. Surpreendentemente, o assunto não mobilizou: a maioria das mulheres votou Trump, um conhecido anti-aborto e misógino.
Trump, como escrevi acima, foi eleito pelo povo, ricos e pobres, mulheres e homens, brancos e pretos. Na minha interpretação, porque o povo votou com o bolso. Nada de mais simples. Trump prometeu restaurar a pujança da economia americana, que a opinião comum achava, e acha, que estaria em depressão. Não é verdade. Mas o comum do eleitor, a começar pelo eleitor das classes baixas, tinha essa percepção. Foi a miragem de um almoço e de um jantar mais baratos que convenceu os mais pobres. Que votaram no capitalismo!, na esperança de que a sua pujança melhorasse a sua vida. Acabou-se a luta de classes. A esquerda deveria pensar a fundo sobre esta novidade, que de resto não é absoluta porque até na Europa a tendência é, de há uns tempos para cá, votar à direita. A esquerda odeia o capitalismo, e não percebe como um pobre pode votar na direita. Odeia o capitalismo, odeia as grandes empresas, ou seja, odeia as instituições que podem dar emprego e melhorar a vida dos destituídos.
A esquerda continua a apostar no Estado, quando já está mais do que comprovado de que o Estado não é solução. Não admira que não seja: a vocação do Estado não é gerir empresas, que, diversamente, cativa funcionários públicos, que defendem os seus lugarzinhos ao abrigo da segurança de emprego, quer façam muito quer não façam nada. E fazem bastante: os sindicatos têm força e não param de reivindicar. Em vez de reclamarem uma economia pujante, reclamam um Estado que tenha dinheiro sem fim para satisfazer até as reivindicações mais exageradas.
Há muitos anos passei, mais uma vez, um mês em Inglaterra. Todos os Sábados via uma extraordinária entrevista do De Walden, que espremia os políticos até eles se darem por vencidos. Num Sábado, estava eu já sentada diante da televisão, a entrevistada era nem mais nem menos do que Margaret Thatcher. Esta extraordinária política, primeira-ministra de Inglaterra, encerrou a sua entrevista com as seguintes palavras: «Sabe Walden, os ricos são a única esperança para os pobres.» A avaliar pelas eleições americanas, o povo percebeu isto mesmo.
Como já há algum tempo aqui escrevi, Marx morreu.