Há cerca de 2.800 anos, Homero, ao descrever o mar da Grécia, atribuiu-lhe uma cor de ‘vinho escuro’. Uma imagem bela, mas intrigante, que ainda hoje suscita debate. Para evitar tais ambiguidades, aceitáveis apenas na poesia, Charles Darwin (1809-1882), ao embarcar no HMS Beagle em 1831 – na expedição que o levaria a regiões como as ilhas Galápagos, no Pacífico, e que culminaria, 28 anos depois, na publicação de A Origem das Espécies –, levava consigo a Nomenclatura das Cores de Werner, de Patrick Syme, um guia cromático precursor dos modernos catálogos de cor, que lhe permitiu registar com precisão as suas observações da Natureza. Por exemplo, em 1832, ao visitar os recifes de Abrolhos, ao largo da costa brasileira, descreveu o mar como «índigo com um pouco de azul-celeste» e o céu como «azul de Berlim com um pouco de ultramarino», permitindo aos seus leitores imaginar, com uma base realista, um mundo que nunca veriam. Quanto aos espécimes recolhidos, com o tempo, degradavam-se e as cores das suas ilustrações desvaneciam-se, mas o guia de Syme fornecia uma referência sólida para a sua definição cromática. Foi assim que Darwin, ao referir-se ao ‘vermelho jacinto’ e à «cor de castanha’ dos chocos, ou ao ‘amarelo prímula’ de uma lesma-do-mar, entre muitas outras descrições, foi qualificado por um critico como ‘um pintor de paisagens de primeira grandeza com a caneta’, quando o seu livro A Viagem do Beagle foi publicado, em 1839.
Abraham Gottlob Werner (1749-1817) foi um influente mineralogista, paleontólogo e geólogo. Entre os seus muitos discípulos contou-se o naturalista Alexander von Humboldt, a quem me referi aqui há duas semanas. Ao propor o Neptunismo, Werner apresentou uma das primeiras teorias sobre a estratificação da crosta terrestre. Segundo essa teoria, há muito abandonada, as rochas ter-se-iam formado a partir de sedimentos depositados num oceano primitivo que, no passado, cobrira a Terra (Neptuno foi o deus romano do mar!). A geologia contemporânea identifica diversas origens para as rochas, mas, curiosamente, no caso das sedimentares, os conceitos de deposição e litificação – transformação de sedimentos em rochas consolidadas – apresentam semelhanças com o Neptunismo.
Werner foi também o autor do tratado Sobre as Características Externas dos Fósseis (1774), uma das primeiras obras a descrever e classificar fósseis e minerais com base na cor, textura e brilho. Inclui um esquema de cores padronizado, capaz de distinguir diferenças cromáticas subtis, com uma terminologia precisa baseada no reino mineral. Por exemplo, o ‘branco acinzentado’ é comparado ao calcário granular e o ‘laranja acastanhado’ ao topázio imperial. Esta proposta cromática foi expandida por Patrick Syme (1774-1845), um artista escocês conhecido pelas suas pinturas florais, que adicionou exemplos da flora e da fauna. Por exemplo, o azul de Berlim, comparado por Werner à safira, ficou também associado às penas das asas do gaio. Com 110 cores, designações como ‘branco-neve’, ‘amarelo limão’, ‘verde espargo’ ou ‘vermelho sangue arterial’, entre outras, acompanhadas de uma representação visual e exemplos dos três reinos da Natureza, Syrme publicou o seu trabalho, em 1814, sob o título Nomenclatura das Cores de Werner, destinado a artistas e cientistas (imagem).
Se, na ciência, a fotografia a cores representou uma verdadeira revolução, em indústrias como o design, a moda e a impressão, os catálogos de cores continuam a ser ferramentas essenciais. Entre os mais conhecidos, conta-se o da empresa norte-americana Pantone. As suas origens remontam a Robert Ridgway (1850-1929), ornitólogo e artista que, ao serviço do Museu Nacional de História Natural, em Washington, DC, criou, a partir de 1886, uma nomenclatura de cores para descrever as aves do país, resultando em dois volumes com mais de mil cores.
Embora o sistema Pantone use códigos numéricos para as suas mais de 2 300 cores, o valor da palavra não é descurado (assunto em que a indústria automóvel italiana dá cartas: ‘luce di mezzanotte’, ‘argento luna’, …). Ademais, desde 1999, a Pantone escolhe anualmente uma cor que exprime o espírito do momento, com grande impacto no mundo do design. A cor de 2024 foi o ‘Peach Fuzz’, um tom de pêssego entre o rosa e o laranja que transmite serenidade e alento, essenciais em tempos de incerteza. Dentro de poucos dias, será revelada a de 2025. Antecipando-se, o sistema Coloro já selecionou para 2025 a ‘Future Dusk’, uma fusão de violeta profundo e azul noturno que combina o tradicional e o futurístico, evocando evasão e mudança.
Resta saber se a vitória de Trump influenciará a escolha da Pantone.
Cores que falam
Embora o sistema Pantone use códigos numéricos para as suas mais de 2 300 cores, o valor da palavra não é descurado…