Uma história de violência

À semelhança do que acontece noutros países europeus, a explosão dos subúrbios de Lisboa reflecte um fenómeno de asselvajamento da sociedade.

Há pouco mais de uma década, saía em França um livro intitulado La France Orange mécanique (A França Laranja Mecânica), de Laurent Obertone, um autor então desconhecido. O título remete obviamente para o filme Laranja Mecânica, realizado por Stanley Kubrick em 1971, baseado no livro homónimo de Anthony Burgess, de 1962. Neste mundo distópico, Alex e os seus droogs praticam a ultraviolência e o Governo britânico recorre a uma técnica experimental para resolver o problema da delinquência juvenil. À época o filme gerou muita polémica, tornou-se «de culto» para uma geração ansiosa por «rebeldia» e a sua influência cultural perdurou.

Da mesma forma, o livro de Obertone teve um efeito directo no discurso político francês, com personalidades como Marine Le Pen ou Éric Zemmour a usarem expressões como «França Laranja Mecânica» ou «ultraviolência» para descrever o estado a que o país chegara. Do outro lado, a esquerda acusava a obra de tendenciosa e de dar argumentos à extrema-direita.

La France Orange mécanique teve uma vida longa, com várias edições, sendo a última, a «definitiva», de 2018. Foi igualmente um êxito de vendas que se calcula ter chegado a mais de 300 mil leitores! Laurent Obertone escreveu desde então mais de uma dezena de obras e tornou-se uma figura conhecida e influente.

A originalidade do seu primeiro ensaio, considerado um «livro-choque», foi fazer uma análise da profunda alteração da criminalidade em França partindo especialmente das notícias da imprensa regional, por onde o próprio Obertone havia passado enquanto jornalista, que raramente chegavam aos meios de comunicação nacionais.

Escrito num ritmo acelerado, sem reservas e num tom directo, o livro numerava os capítulos de forma decrescente, como se retratasse a iminente explosão de uma bomba. De facto, os casos relatados chocavam não só pela violência extrema e injustificada, como especialmente pelo número inacreditável de ocorrências em todo o país. Revoltante era igualmente a forma como o Estado acabava por proteger os criminosos.

O objectivo do autor era mostrar a realidade, que tanto contrastava com o discurso da elite mediática, política e administrativa, especialmente na sua insistência de que em França apenas existe um «sentimento de insegurança». A «solução», concluía Obertone, não estava no aumento de protecção policial, mas na «moral dos cidadãos».

Sem surpresa, o capítulo que mais polémica provocou foi o que apresentava uma análise da criminalidade estrangeira em França e noutros países europeus, com casos concretos e dados estatísticos, que mostrava como as comunidades imigrantes cometiam proporcionalmente mais crimes.

Nos últimos tempos, Portugal tem assistido a grandes alterações sociais, nomeadamente a entrada exponencial de imigrantes no seu território. Este fenómeno levou ao aparecimento de novas formas de criminalidade, nomeadamente mais violentas, e ao aumento do conflito social, além do agravamento de problemas anteriores.

É fácil notar as semelhanças do relatado no livro de Obertone com o que hoje acontece no nosso país. O caso da recente perseguição policial que terminou com a morte de um imigrante morto pelas forças da ordem e motins nos subúrbios é um cenário bem conhecido noutros países europeus. Não é um fait-divers. Muito menos se resolve apenas com polícia. É a manifestação de um fenómeno de asselvajamento da sociedade que os políticos da «gloriosa diversidade», os juízes da «desculpabilização dos oprimidos», os jornalistas da «narrativa oficial», entre outros «técnicos da utopia», vão fazer tudo para encobrir. Cabe-nos abrir os olhos.