Dentro do Partido Nazi Alemão era conhecido pela alcunha de Gestapo Müller

Durante a maior parte da II Grande Guerra Müller foi o responsável pela Gestapo e por todas as atrocidades levadas a cabo pela polícia secreta de Adolf Hitler

Nunca estamos preparados para enfrentar os homens que têm buracos negros no lugar do coração. Até porque, na sua maioria, são cobardes que se escondem por detrás de exércitos inteiros. Durante a maior parte da IIGrande Guerra, Heinrich Müller pertenceu à chefia da Gestapo, uma das maiores máquinas de assassinatos montada pelo regime nazi. Por isso, tudo o que se escreva sobre ele, é escrito com desprezo. Se calhar até nojo. Ele que é o único proeminente assassino ao serviço de Hitler que nunca foi capturado. E nem sequer há registos da sua morte. Foi visto pela última vez a fugir do Führerbunker em Berlim, no dia 1 de Maio de 1945. Em seguida desvaneceu-se no ar. Pura e simplesmente.
Já sobre o seu aparecimento no mundo há mais dados. Nasceu em Munique a 28 de Abril de 1900, numa família de católicos-apostólicos-romanos e o pai não conseguiu ir mais além do que ser um mero polícia rural. Heinrich procurou desesperadamente fugir da banalidade que preenchia o horizonte do seu futuro. Estudou para engenheiro mecânico, dedicou-se aos aviões e, quando a I Grande Guerra eclodiu passou a piloto-artilheiro da Luftstreitkräfte, mais tarde Luftwaffe. A despeito da cara de fuinha e do olhar porcino, como diz o nosso povo, de Venda das Solteiras a Focinho de Cão, tinha-os no sítio. A sua audácia valeu-lhe medalhas em barda: Cruz de Ferro de 2ª classe; Cruz de Ferro de 1ª classe; Cruz de Mérito Militar da Baviera; Medalha de Mérito dos Pilotos Bávaros. Era de tilintar enquanto andava, lá isso era.
A guerra acabou e ainda não tinha começado a seguinte. Müller caiu no anonimato de ser um auxiliar de serviço da Polícia Bávara. Mas não ficou quieto durante muito tempo.Quando as forças comunistas ligadas à União Soviética começaram a despontar em Munique, passou a ser um desprezível delator de tudo o que ouvia a respeito e merecesse ser silenciado. A sua sede de sangue não se satisfez com o fuzilamento discricionário dos soldados do Exército Vermelho, uma força paramilitar braço daquela que ficou conhecida por República Soviética Bávara. Queria mais. E sobretudo ansiava por dar azo à crueldade que lhe lhe crescia imparavelmente naquele buraco negro onde devia bater o coração.
Entretanto, com o passar do tempo e com a expansão do Partido Nazi, Heinrich foi-se tornando próximo de figuras tão sinistras como ele, sobretudo Reinhard Heydrich e Heinrich Himmler. Quando Hitler se tornou chanceler ganhou um posto: o de Polizeiobersekretär, digamos que o responsável pela informação do movimento de todos os comunistas da Alemanha. Pelos vistos a sua primeira impressão sobre o homem do bigodinho grotesco caíra no poço do oblívio: «Um simples pintor de casas desempregado». Quem trabalhava com ele tinha dificuldade em acompanhar o seu ritmo: um fanático que jamais tirou férias completamente obcecado pelo cumprimento das ordens vindas de cima. Heydrich, o chefe da Polícia Secreta alimentava por ele uma simpatia notável. De tal forma que o ajudou a subir pela escadaria do poder, mesmo que Müller só se tivesse filiado noPartido NacionalSocialista em 1939. E este agradecia a preferência transformando relatórios de torturas e assassinatos em meros pró-formas imediatamente arquivados ou milagrosamente perdidos. E é a partir daqui que a sua vida passa a confundir-se com a Gestapo. Primeiro através da promoção a Inspector para toda a Áustria (entretanto engolida pelo Anschluss), adjunto do seu grande amigo Franz Josef Huber, chefe da Gestapo para toda a Áustria, depois indicado por Heydrich como responsável pela informação sobre todos os judeus. Judeus que ele odiava tanto ou mais do que os comunistas, embora fosse um admirador dos métodos da Polícia Secreta da URSS. Na abracadabrante Kristallnacht, de 9 para 10 de Novembro de 1938, ordenou o encarceramento de cerca de trinta mil judeus, ação que provocou a apreciação dos seus superiores. Estava definitivamente lançado.

Gestapo Müller
Reinhard Heydrich era a favor da concentração de poderes. Criou, portanto, a Reichssicherheitshauptamt (RSHA), ou seja o Gabinete de Segurança do Reich, pondo debaixo desse guarda-chuva as SS, Schutzstaffel, organização paramilitar de proteção de Hitler, a Reichsführer-SS, sub-organização das SS, e a Deutschen Polizei, Polícia Alemã. O comandante-geral desta organização era Heinrich Himmler. E Müller voltou a subir de posto: chefe da RSHA (Departamento IV). Não cabia em si de vaidade. Disposto a trabalhar 24 sobre 24 horas ganhou a alcunha de Gestapo Müller. E atirou-se como gato a bofe a tudo e todos que considerava inimigos do regime.
A sua influência no poder nazi era tão grande que teve um papel extremamente ativo na invasão da Polónia, o acontecimento que abriu de forma decisiva os portões da IIGrande Guerra. A conhecida como Operação Himmler foi gizada por este e por Heydrich mas Müller foi o homem que criou o falso motivo para que as tropas alemãs marchassem para Leste ao sugerir a ideia de disfarçar soldados alemães com uniformes polacos que atacaram a torre de comunicação de Gleiwitz, a linha de caminhos-de-ferro deJablonkow, edifícios públicos, matando civis indiscriminadamente e deixando para trás cadáveres de judeus também vestidos com uniformes polacos, judeus que Heinrich mandara mater injetando-lhes veneno nas veias só para compor o cenário. Com um humor muito próprio e de bastante mau gosto estes judeus fizeram com que nos corredores da sede da Gestapo tenha circulado a piada barata de chamar à Operation Himmler Operation Konserve.
Degrau a degrau: nesse ano de 1939 passa a SS-Oberführer, em 1941 Gruppenführer e Tenente-General da Polícia Alemã. A sua arte de espionagem e contra-espionagem atravessou todos os momentos da IIGrande Guerra.

Um dos executores do Holocausto
Pelo caminho, o seu mentor, Reinhard Heydrich é assassinado em Praga, em 1942. O seu lugar é ocupado por outro bom amigo: Ernst Kaltenbrunner. A relação com Himmler estreita-se. E outro indivíduo indecentemente sinistro passa a fazer parte do seu círculo íntimo: Adolf Eichmann, seu subordinado. Se Himmler levava a cabo a sórdida missão de exterminar os judeus da Europa, abarrotando os campos de concentração, Eichmann seguia as instruções de Müller para, por exemplo, esvaziar a cidade de Katowice dos seus 80 mil habitantes e distribuí-los entre Auschwitz, Sobibor e Buchenwald onde os esperavam as câmaras de gás. Recebeu ordens para colaborar com os Einsatzgruppen (Grupos de Deslocação), os esquadrões da morte das SS para aquilo que foi complacentemente intitulado Endlösung der Judenfrage (Solução Final Para a Questão Judaica). No centro deste furacão Heinrich Müller continuava a trabalhar ininterruptamente, não se desligando da missão que abraçara nem aos domingos, logo ele, educado de maneira tão católica. No espaço de seis anos mais de dois milhões de defuntos são empilhados e queimados. Cobarde como um vulgar vilão, enviava telegramas para os sicários dos Einsatzgruppen curtos, mas significativos: «Evitem os ajuntamentos de testemunhas quando procederam a execuções em massa».
Hoje não há nenhum historiador que ignore a decisiva participação de Müller no Holocausto. O próprio Eichmann referiu em julgamento que só ele poderia dizer quantas pessoas deportou para os campos de extermínio. Não se sabe se pagou pelos seus crimes, embora o British Intelligence Office tenha apontado que ou foi abatido ou se suicidou no caos que Berlim se tornou nesse final de Abril de 1945. O mistério permanece e permanecerá pelo futuro adiante. A sentença de Heinrich Müller permanecerá nas nossas consciências.