Kelly Slater. O ‘superboy’ que dominava as ondas como ninguém

Os 11 títulos mundiais permitem afirmar que Kelly Slater é o melhor surfista de sempre. Após 40 anos ao mais alto nível, conhece as melhores ondas do mundo como poucos. O seu percurso é uma inspiração para as novas gerações e para quem gosta de sonhar alto no desporto.

O norte-americano é um atleta sem igual no mundo do surf e não só. Aos 52 anos não tem nada a provar a ninguém. A sua última vitória no Championship Tour (CT) aconteceu poucos dias antes de fazer 50 anos. Na etapa de Pipeline – a onda rainha do surf mundial – conseguiu o 56.º triunfo em provas do circuito mundial. «Nem sei o que dizer. Dediquei a minha vida a tudo isto e tentei apenas curtir cada momento. Foi uma das maiores vitórias da minha vida», fez questão de salientar. Foi também aí que ganhou a sua primeira prova há 30 anos.

Aos 20 anos, tornou-se o mais novo campeão de mundo e voltou a fazer história com 39 ao ser o mais velho a vencer o título mundial. A sua carreira está cheia de momentos marcantes, grandes vitórias e histórias impressionantes, que fazem dele o GOAT – ‘Greatest of All Time’ – do surf, ou seja, o melhor de todos os tempos com 11 títulos mundiais, cinco consecutivos (1994-1998), cinco Pipe Masters e três Triple Crown of Surfing. Dificilmente voltaremos a ver um surfista como Kelly Slater, que estava muito à frente da sua geração e conseguiu um palmarés incrível. Atualmente, há uma dezena de surfistas que atingiram um nível muito elevado e o equilíbrio é grande. Afirmou o ano passado que deixava o circuito profissional em full-time, mas não disse que arrumava a prancha e já pediu um wildcard à World Surf League para participar na etapa de Cloudbreak, nas Fiji.

Como qualquer ídolo, também esteve envolvido em algumas polémicas. Sempre foi defensor do meio ambiente e envolveu-se em diversos projetos de proteção à natureza e ao oceano, mas, em 2017, fez um post a pedir o abate de tubarões na Ilha da Reunião. Depois, decidiu não se vacinar contra a covid-19 e fez campanha contra a vacinação. Durante as competições revelou sempre um forte caráter, várias vezes subiu a torre dos juízes por discordar das pontuações, e não se coibia de fazer declarações depreciativas sobre as manobras de outros surfistas.

Menino prodígio

Kelly Slater nasceu numa família da classe média-baixa e foi a competitividade com o seu irmão que o levou a querer ser um surfista exímio. Começou a praticar bodyboard aos cinco anos em Cocoa Beach, na Flórida, passou para o surf aos 8, entrou para a elite mundial com 18 anos e conquistou o primeiro título mundial dois anos depois. O “Superboy” como ficou conhecido impressionou logo no primeiro ano. 

O sonho de qualquer surfista é conseguir uma nota 10, agora ter duas ondas perfeitas numa única bateria só está ao alcance dos fora de série. Kelly Slater foi o primeiro a conquistar o ‘Perfect 20’ na etapa de Teahupo’o, em 2005, que abriu caminho para o sétimo título mundial. A lenda do surf repetiu o feito em 2013 ao obter duas notas 10 numa bateria em Fiji e o segundo ‘Perfect 20’. Mas não ficou por aqui. Conseguiu o impensável três anos depois ao surfar quatro ondas de forma perfeita em Teahupo’o, três dessas ondas foram realizadas no último dia.

Slater recebeu um wildcard para participar em algumas etapas do circuito mundial em 2024, mas foi sempre eliminado da terceira ronda e caiu no cut a meio da época. No próximo ano não vai ter esse privilégio, os convites vão para os brasileiros Filipe Toledo e João Chianca. Ainda assim, é bastante provável que continuemos a ver Slater nos principais palcos mundiais através de wildcards de etapa, o que lhe dá particular satisfação: «É engraçado ter mais de 50 anos e continuar a mexer com as novas gerações. É bom ver esta fornada de talentos a surgir».

Ao longo de uma carreira tão longa o que não falta a Kelly Slater são histórias divertidas e outras mais assustadores. «São tantas emoções, durante tanto tempo. Nem tudo foi cor-de-rosa, mas foram os melhores momentos da minha vida», reconheceu. Dividiu o mar com alguns animais; cruzou-se com um tubarão-branco durante um free surf, treinou acompanhado por golfinhos e até dividiu uma onda com uma tartaruga em plena bateria.

Kelly Slater fez sucesso fora do surf. Toca viola, teve uma banda chamada “The Surfers” e foi convidado para tocar com Jack Johnson e Pearl Jam. Também brilhou no cinema. Participou em vários filmes e séries de televisão como “Baywatch” e é protagonista no jogo para consolas “Kelly Slater’s Pro Surfer”. Slater tem outros hobbies como o jiu-jitsu e já partilhou os greens de golfe com o ex-presidente americano Barak Obama.

Dominou as ondas nos melhores spots mundiais e depois decidiu divertir-se na sua piscina de ondas artificiais no Surf Ranch, na Califórnia (EUA), a 160 quilómetros do Oceano Pacífico. É aí que recebe os amigos e a elite do surf. Este projeto custou 30 milhões de dólares e demorou mais de 10 anos a concretizar. Trata-se de um enorme tanque com 700 metros de comprimento e 75 de largura equipado com tecnologia que permite criar a onda perfeita com 2,4 metros de altura, sendo criada tanto para direita, como para a esquerda, com longos tubos, aéreos e mais espaço para finalização. O Surf Ranch não está aberto ao público, mas organiza eventos para grupos privados até 11 pessoas com preços que variam entre 50 mil e os 70 mil dólares por um dia.