O cabrito estonado é uma iguaria tradicional da região da Beira Baixa, mais precisamente do concelho de Oleiros. Este prato, com raízes históricas profundas, representa uma das joias da culinária regional portuguesa, com um método de preparação único que remonta a práticas antigas, transmitidas de geração em geração.
A origem do cabrito estonado perde-se no tempo, sendo o resultado da necessidade e engenho das comunidades rurais beirãs. Numa época em que cada recurso era aproveitado ao máximo, a população de Oleiros desenvolveu técnicas que preservavam e valorizavam as suas carnes, sobretudo em períodos festivos, onde o cabrito assumia o protagonismo na mesa.
Segundo a tradição, o prato era confecionado para ser servido em ocasiões especiais, nomeadamente durante as festas religiosas das aldeias, que dão beleza a todo o território, e em casamentos e batizados. A sua técnica de confeção refletia a ruralidade e o respeito pelos animais, fazendo com que o cabrito fosse utilizado na sua totalidade, respeitando a tradição de subsistência.
Então como era o processo de estonar o cabrito? “Estonado” é o processo de remoção do pelo do cabrito sem recurso à esfola tradicional. Esta técnica é o que confere ao prato a sua textura e sabor únicos. Ao contrário do método convencional, o cabrito é escaldado em água quente para que os pelos possam ser removidos sem necessidade de despelar. Este processo faz com que a pele se mantenha intacta e se torne crocante durante o assado, transformando-a numa espécie de crosta saborosa que envolve a carne suculenta.
Após a remoção dos pelos, o cabrito é temperado com uma marinada de alho, vinho, azeite, sal e ervas aromáticas, como o alecrim e o louro. Este processo de marinada permite que a carne absorva os sabores, enriquecendo ainda mais a sua complexidade. Em seguida, o cabrito é levado ao forno de lenha, onde é assado lentamente, garantindo que a carne permaneça tenra e suculenta e a pele fique dourada e fundamentalmente crocante.
Oleiros é a vila que mantém viva esta tradição e onde o cabrito estonado é mais celebrado. Muitas famílias e restaurantes locais (o Callum, a Adega dos Apalaches, o Alto da Vila, o Línguas de Perguntador, entre outros) dedicam-se a preservar a receita autêntica, usando técnicas que aprenderam com os seus antepassados. Em alguns casos, o processo de preparação e cozimento pode durar mais de seis horas, exigindo paciência e dedicação, características que os oleirenses dominam com orgulho, digo eu….
Este prato, que já faz parte da identidade cultural da Beira Baixa, é um exemplo de como a tradição e o saber antigo podem sobreviver ao tempo, mantendo-se relevantes e valorizados. O Município de Oleiros tem promovido o cabrito estonado como uma atração turística, destacando-o, através da respetiva confraria, em eventos gastronómicos e em festivais dedicados à gastronomia beirã. Embora a sua preparação seja complexa, existem restaurantes na região de Oleiros que mantêm a tradição, proporcionando aos visitantes a oportunidade de saborear um pedaço desta história portuguesa. Para os que desejam reproduzir a receita em casa, algumas adaptações são possíveis, mas o sabor autêntico e a textura característica são difíceis de replicar fora das condições originais de preparação.
Além disso, o cabrito estonado tem vindo a ganhar popularidade fora destas terras, com profissionais da gastronomia a explorarem a receita e a adaptá-la a novos contextos culinários. A tradição e a autenticidade continuam a ser o elemento essencial, mas o cabrito estonado é cada vez mais reconhecido como um símbolo do património gastronómico português.
O cabrito estonado não é apenas uma receita, mas sim um símbolo da resiliência e criatividade das comunidades da beirãs. Com um sabor único e um processo de preparação que reflete a dedicação e o respeito pelas tradições, este prato continua a encantar gerações e a atrair apreciadores de gastronomia de todo o mundo. Em cada pedaço de cabrito estonado, há uma história de paixão pela terra e pela cultura portuguesa, preservada com o mesmo cuidado que os seus antepassados praticaram.
Se tiver oportunidade de visitar Oleiros, o cabrito estonado é quase uma obrigação para qualquer amante da gastronomia portuguesa. Afinal, é uma experiência que liga o passado ao presente, num dos sabores mais autênticos de Portugal.
Doutorando em História Contemporânea NOVAFCSH
