Países em todo o mundo têm adotado estratégias inovadoras para gerir a água, um recurso essencial que enfrenta pressões crescentes devido à escassez, ao desperdício e às alterações climáticas. Da Austrália a Israel, passando por Singapura, Japão e China, surgem abordagens que incluem reutilização de águas residuais, dessalinização e medidas de consciencialização. Portugal, no entanto, continua a enfrentar críticas pela sua gestão e desperdício deste recurso vital.
Na Austrália, destaca-se a técnica de tratamento e reutilização das águas residuais. Segundo Alfredo Graça, coordenador e especialista da Meteored Portugal, em várias cidades, obras permitem que as águas usadas nas casas sejam encaminhadas para reservatórios próprios, tratadas e depois devolvidas às habitações através de uma torneira especial. Esta água é usada em tarefas como limpeza, lavagem de roupa e outros fins que não requerem água potável. Paralelamente, centrais de dessalinização transformam água do mar em potável, sendo acionadas em situações de escassez hídrica extrema. Medidas complementares incluem medidores inteligentes e tarifas progressivas para grandes consumidores.
Singapura, reconhecida como líder mundial em reutilização de água (95%), apresenta uma abordagem integrada baseada em quatro pilares: recolha de água da chuva, centrais de dessalinização, combate a fugas de água e campanhas de consciencialização. “Faz parte da lógica da consciencialização da sociedade, pondo em marcha uma campanha que faz as pessoas ‘amarem’ a água”, explica ao i Alfredo Graça, geógrafo e mestre em Riscos, Cidades e Ordenamento do Território. Em situações críticas, Singapura recorre à importação de água da Malásia, uma solução de último recurso devido à sua complexidade logística e custos elevados.
Israel, por sua vez, é o exemplo máximo de “a necessidade aguça o engenho” na gestão hídrica. “Cerca de 85% da água potável utilizada pelos israelitas provém do mar, ou seja, é obtida através da dessalinização […] O objetivo passa por adotar uma cultura de prevenção, adaptação e resiliência: quer mesmo obter 100% de água potável oriunda do mar até 2025”. O país conta atualmente com cinco centrais de dessalinização, produzindo perto de 600 milhões de metros cúbicos por ano. Entre as maiores, a IDE Hadera produz 137 milhões de metros cúbicos anualmente, através da técnica de osmose inversa. Apesar de dispor do Lago Tiberíades, Israel considera-o apenas como reserva estratégica, “para satisfazer os picos de procura e, em última instância, por razões de significativa importância geopolítica: nutrir parte das necessidades da Jordânia, mantendo desta forma o acordo de paz com o reino vizinho”.
Além da dessalinização, Israel também recorre ao tratamento e reutilização das águas residuais. A água tratada, conhecida como efluente, é principalmente utilizada para irrigação agrícola, cobrindo cerca de 50% das necessidades hídricas do setor agrícola. A infraestrutura hídrica de Israel inclui sistemas cruciais como o Transportador Nacional de Água (National Water Carrier – NWC), que transporta água do Mar da Galileia (Lago Kinneret) para as regiões mais áridas do sul do país. Este sistema, completado em 1964, tem sido fundamental na distribuição de água em Israel
Com as mudanças climáticas e a pressão sobre os recursos hídricos, Israel também implementou projetos para estabilizar os níveis de água do Mar da Galileia, incluindo a adição de água dessalinizada ao lago para manter a disponibilidade de água potável. Estas medidas, juntamente com o foco na conservação da água e no aumento da reutilização de águas residuais, fazem de Israel um dos países mais eficientes na gestão da água, apesar dos desafios impostos pelo seu ambiente árido.
No Japão, a principal estratégia para a gestão hídrica é a economização voluntária da água, com campanhas regulares de consciencialização e o ‘Dia de Economizar Água’, assinalado no dia 15 de cada mês. Além disso, o Manual Geral contra a Seca, criado em meados do século XX, estabelece medidas preventivas e reativas em casos de escassez. A China segue uma abordagem semelhante, implementando cisternas e reservatórios em todo o país e introduzindo etiquetas de eficiência hídrica para incentivar a compra de produtos mais sustentáveis.
E Portugal?
Apesar de possuir “o dobro da quantidade de água per capita face ao resto da Europa”, como salienta Alfredo Graça, Portugal continua a enfrentar desafios significativos na gestão hídrica. Frisa que o especialista Jorge Froes destacou que “dos 56 mil milhões de metros cúbicos de disponibilidade de água por ano existentes em Portugal — que provêm da precipitação, dos escoamentos, das águas subterrâneas e das afluências de Espanha —, 53 mil milhões de m³/ano é ‘água que segue para o mar’”. Este desperdício massivo sublinha a urgência de modernizar e racionalizar a gestão do recurso.
No que toca à dessalinização, a realidade portuguesa é preocupante. “É quase inacreditável que a única central de dessalinização existente se situe na ilha de Porto Santo — pertencente à Região Autónoma da Madeira — e que, no continente, […] a primeira central de dessalinização apenas vá ser construída em 2026 no Algarve. É caso para dizer: até que enfim!” aponta Alfredo Graça. A situação contrasta com a de Espanha, que já conta com 765 centrais de dessalinização, apesar de enfrentar desafios climáticos semelhantes aos de Portugal.
No país vizinho, a situação das barragens é marcada por desafios relacionados com a escassez hídrica e as mudanças climáticas, mas também por esforços de conservação ambiental e reconfiguração da gestão hídrica. Atualmente, as reservas hídricas médias encontram-se em torno de 40% da capacidade total, o que preocupa, sobretudo em regiões como a Catalunha, onde a seca tem levado à implementação de restrições no consumo de água, afetando milhões de pessoas. Estas áreas dependem significativamente das barragens para abastecimento e irrigação, mas enfrentam níveis críticos de armazenamento devido à baixa precipitação e ao aumento das temperaturas
Por outro lado, Espanha está envolvida em iniciativas para restaurar ecossistemas aquáticos, alinhadas com a estratégia de biodiversidade da União Europeia. Tal inclui a remoção de barragens obsoletas que prejudicam a qualidade da água e os habitats fluviais. Na região de Castela e Leão, por exemplo, várias barragens abandonadas foram demolidas para revitalizar rios e prevenir inundações, devolvendo cursos de água ao seu estado natural. Embora eficazes, essas ações enfrentam resistência local, com preocupações sobre o impacto no abastecimento de água e custos associados.
Além disso, a seca está a afetar setores económicos importantes, como a agricultura. Na região de Huelva, a escassez ameaça as culturas de frutos vermelhos e hortícolas, essenciais para a economia local. Estas dificuldades refletem a necessidade urgente de uma gestão mais sustentável e integrada dos recursos hídricos, incluindo a cooperação transfronteiriça com Portugal, que também enfrenta desafios semelhantes Estas ações e dificuldades mostram a complexidade da gestão da água em Espanha, que tenta equilibrar as exigências humanas com a conservação ambiental e a adaptação às alterações climáticas.
Em contraste, a gestão hídrica em Portugal tem sido marcada pela ausência de uma cultura de prevenção e de infraestruturas adequadas. “Embora em diversos momentos as medidas aplicadas pelas autoridades surtam o efeito desejado, causam provavelmente um sofrimento que seria desnecessário caso houvesse uma cultura de prevenção e uma infraestrutura prontíssima a lidar com este tipo de ocorrências (secas severas e escassez hídrica)”, diz Alfredo Graça. No entanto, o futuro pode ser promissor se forem adotadas práticas inspiradas em modelos internacionais de sucesso. “É um potencial de água enorme que é inacreditavelmente desperdiçado e não aproveitado. A tecnologia e a modernização do regadio são algumas das medidas a tomar pelas quais se poderá gerir de forma mais racional e eficiente a água”, finaliza.