De Famílias Temporárias a Laços Permanentes

As famílias de acolhimento representam, em muitos casos, a luz ao fundo do túnel na vida de milhares de crianças que aguardam que os tribunais tomem uma decisão relativamente ao seu futuro.

Ao contrário do que sucede na maioria dos países europeus em que a generalidade das crianças em perigo é acolhida por uma família, em Portugal mais de 95% dessas crianças estão em casas de acolhimento. Em contraponto, em Malta, assiste-se ao cenário inverso: 95% das crianças em situação de perigo ficam ao cargo de famílias de acolhimento.

Os dados do mais recente relatório CASA (Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças) revelam que, em 2023, mais de seis mil crianças em Portugal se encontravam carentes do cuidado de uma família. Apesar de a Lei n.º 142/2015 indicar claramente que deve ser dada prioridade ao acolhimento familiar em detrimento do residencial, essa é uma realidade que não se verifica e que está longe de se materializar na prática.

Nos casos em que as crianças não estão ao cuidado da sua família biológica – seja por abandono ou porque a justiça considerou que a sua família não tinha condições para tal -, cabe ao tribunal definir o projecto de vida da criança. Isto é, se fica ao cuidado de outros familiares, se regressa à instituição ou se é adoptada. Enquanto decorre o período legal para a decisão judicial, as crianças têm apenas dois caminhos possíveis: a casa de acolhimento ou a família de acolhimento.

As famílias de acolhimento representam, em muitos casos, a luz ao fundo do túnel na vida de milhares de crianças que aguardam que os tribunais tomem uma decisão relativamente ao seu futuro. São as famílias de acolhimento que, durante esse período, contribuem para o desenvolvimento e para o crescimento sustentado das crianças em situação de maior vulnerabilidade, permitindo-lhes que se desenvolvam no seio de um ambiente familiar depois de terem passado por situações delicadas e tendencialmente infelizes.

Contudo, o período de tempo que as crianças ficarão ao cargo das famílias de acolhimento é desprovido de qualquer previsibilidade, ficando sujeito ao tempo que o seu auto demorar a ser processado judicialmente – que, sem grande surpresa, é não raras vezes extenso. Isto significa que uma criança pode estar semanas, meses ou até mesmo anos ao cuidado de uma família de acolhimento o que, em idades tão precoces, pode mesmo corresponder a praticamente toda a sua vida. Se por um lado as famílias de acolhimento são treinadas a priori para saberem lidar com a imprevisibilidade inerente a este processo, por outro lado, as crianças, muitas vezes com traumas ainda presentes, não estão preparadas – nem tampouco treinadas -, para gerir as suas emoções ou lidar com estas situações.

Actualmente, uma criança que esteja inserida numa família de acolhimento tem uma e uma só certeza: que à luz da lei em vigor não poderá ser adoptada pela família que a acolheu e com a qual já estabeleceu laços familiares.

Entendo que a política de família deve ser centrada, acima de tudo, em torno do superior interesse criança. A limitação legal que impede as famílias de acolhimento de adoptar a criança já acolhida representa uma situação de profunda injustiça que contribui para introduzir mais ruído e incerteza na vida de uma criança quando esta já se encontra numa fase mais estável da sua vida. Urge reverter esta injustiça e permitir que as famílias de acolhimento possam ser, caso assim desejem, a família para a vida.