Há cem anos, o mundo despedia-se de Giacomo Puccini (1858-1924), um dos gigantes da ópera italiana. Melodista inesquecível, harmonizador sofisticado e mestre na construção dramática, Puccini foi um perfeito arquiteto musical de emoções. Óperas como La Bohème (1896), Tosca (1900) e Madama Butterfly (1904), que exploram temas como o amor, a paixão, a perda, o sacrifício e o confronto de culturas, contam-se entre as mais encenadas de todos os tempos, reafirmando a intemporalidade do seu génio criativo.
Descendente de uma linhagem de mestres-de-capela estabelecida na cidade toscana de Lucca no início do século XVIII, esperava-se que seguisse a tradição familiar. Órfão de pai aos cinco anos, recebeu a primeira educação musical de um tio materno, que o considerava pouco dotado e indisciplinado. Os progressos surgiram quando passou a ter aulas com um professor do instituto musical local. Aos dez anos, entrou para o coro da catedral; aos catorze, já era organista, e, aos dezasseis, compôs as primeiras peças para órgão. Para ajudar a mãe nas despesas, tocava piano em hotéis e cafés e, ao que parece, num bordel. Aos dezoito, percorreu 20 km a pé até Pisa (e outros tanto no regresso) para assistir à Aida, de Verdi. A experiência abriu-lhe uma nova janela musical, como mais tarde recordaria; doravante, só pensaria em compor ópera.
Do conservatório à consagração
Em 1880, com 22 anos, graças a uma modesta bolsa real e à ajuda de um familiar, ingressou no Conservatório de Milão, então o melhor de Itália. Entre os docentes destacava-se Amilcare Ponchielli, autor de La Gioconda (1876), que logo reconheceu talento no jovem, e, entre os colegas, Pietro Mascagni, com quem chegou a partilhar quarto. Três anos depois, a sua peça de formatura, Capriccio Sinfonico (1883), onde já se ouve o tema que, treze anos depois, usaria na abertura de La Bohème, não passou despercebida.
A primeira oportunidade para compor uma ópera surgiu quando a editora Sonzogno lançou um concurso para obras de um ato. Assim nasceu Le Villi (1884), inspirada na lenda das Wilis, espíritos de jovens mulheres que, após morrerem de amor por traição, regressam para se vingar. A obra terá sido desclassificada devido à inelegibilidade do manuscrito. Contudo, existe outra versão dos acontecimentos: através de Ponchielli, que integrava o júri do concurso, Puccini foi apresentado a Giulio Ricordi, diretor da Casa Ricordi, a prestigiada editora milanesa que representava compositores como Giuseppe Verdi. A aproximação terá permitido que Puccini lhe mostrasse a sua ópera antes da deliberação do júri. Por outras palavras: Ponchielli, que desejava que fosse a Casa Ricordi a deter os direitos de Le Villi (o que não aconteceria se Puccini vencesse a competição), terá influenciado o resultado final em benefício do jovem compositor.
Ferdinando Fontana, autor do libreto de Le Villi, organizou uma campanha de angariação de fundos para cobrir os custos da estreia, no Teatro Dal Verme. Foi um sucesso, podendo ler-se no Corriere della sera do dia seguinte: «É uma obra tão elegante, tão requintada, que, aqui e ali, até parece que estamos a ouvir não um jovem estudante, mas um Bizet, um Massenet». Ricordi não perdeu tempo: além de adquirir os direitos da ópera, encomendou-lhe uma nova e concedeu-lhe um subsídio mensal. Mais do que um editor, Ricordi seria doravante uma espécie de mentor para Puccini.
Numa versão em dois atos, Le Villi subiria ao palco do mítico La Scala no ano seguinte. O impacto da ópera sobre Mascagni foi enorme, encontrando nela uma fonte de ideias musicais para Cavalleria Rusticana (1890), a obra que o consagraria. Mais tarde, Puccini afirmaria: «Le Villi iniciou o estilo que hoje é chamado de ‘mascagniano’ e ninguém jamais fez justiça a esse facto». A sua segunda ópera, Edgar (1889), porém, seria um fiasco, mas nem isso abalou a confiança que Giulio Ricordi depositava nele, atribuindo as culpas ao mau libreto de Fontana. O próprio Puccini a descreveria como una cantonata (‘um erro crasso’), chegando a brincar com o título: ‘E Dio ti GuARdi da quest’opera!’, ou seja, ‘E que Deus te proteja desta ópera!’.
Ricordi procurava ativamente um sucessor para Giuseppe Verdi, então o maior compositor italiano vivo, que, embora já octogenário, guardava ainda um último trunfo: Falstaff (1893), uma lufada de ar fresco operática inspirada na impagável personagem shakespeariana de Sir John Falstaff. Como se costuma dizer, não há coincidências: oito dias depois de Puccini se afirmar, com Manon Lescaut, como o maior expoente da nova geração de compositores italianos, o venerado mestre despedia-se dos palcos, deixando-nos um sorriso de indulgência perante as falhas humanas («Tutto nel mondo è burla»).
O famoso romance de 1731 do abade Prévost, que serviu de base à terceira ópera de Puccini, já fora adaptado por Daniel Auber em 1856 e Jules Massenet em 1883, mas o fogoso compositor terá dito a Ricordi que «uma mulher como Manon pode ter mais do que um amante». Após o retumbante sucesso da estreia, em Turim (o La Scala fora reservado para Falstaff), o Corriere della sera escreveu: «Entre Edgar e Manon Lescaut, Puccini transpôs um abismo. Pode-se considerar Edgar um passo preparatório necessário, cheio de redundâncias, lampejos e sugestões. Manon é a obra de um génio seguro de si, mestre da sua arte, criador e perfecionista». A ópera seria vista em Londres, em Covent Garden, logo em 1894. Doravante, a carreira do compositor de Lucca seria coroada de êxitos (com a exceção da estreia de Madama Butterfly, no La Scala, que teve percalços, mas que rapidamente, com modificações, se tornaria um sucesso). Manon Lescaut não só trouxe fama e dinheiro a Puccini, como também estabeleceu o arquétipo de grande parte das suas futuras óperas, com clímax dramáticos centrados na morte das personagens femininas: Mimì (La Bohème), Floria Tosca (Tosca), Cio-Cio-San (Madama Butterfly), Angelica (Suor Angelica) e Liù (Turandot). Não escaparia, obviamente, à acusação de ser sadista.
Embora sem organização formal, a nova geração de compositores, conhecida como Giovane Scuola, tinha por objetivo modernizar a ópera italiana, introduzindo novas temáticas e abordagens musicais, de inspiração francesa e germânica. Entre os seus membros, além de Puccini, contavam-se Mascagni, Ruggero Leoncavallo, Umberto Giordano, Alfredo Catalani e Francesco Cilea. Muitos aderiram ao verismo, um movimento estético e literário surgido na Itália no final do século XIX, influenciado pelo realismo e pelo naturalismo, cujo nome deriva de vero, que significa ‘verdade’. O verismo procurava retratar a realidade de forma crua e direta, rompendo com a tradição do romantismo, que privilegiava temas idealizados, mitológicos ou históricos. Na ópera, essa abordagem traduzia-se em libretos que muitas vezes terminavam de forma dramática e violenta, com personagens cujos conflitos eram frequentemente resolvidos à facada. Puccini, no entanto, nunca aderiu completamente ao verismo, ainda que dele se tenha aproximado em Tosca e Il Tabarro (1918), a sua ópera mais sombria. A primeira, ambientada na Roma napoleónica, num contexto de desejo e de opressão política, destaca-se pela crueldade física e psicológica. A segunda passa-se em Paris, à beira do Sena, e aborda temas como pobreza, alcoolismo, infidelidade e ciúme. Salvo estas exceções – e até nelas! – Puccini tendeu a suavizar o verismo com um copioso lirismo, sustentado na riqueza melódica e harmónica e no detalhe da orquestração. Mesmo quando os dramas das suas personagens emanam do quotidiano, a força da música eleva-os a uma dimensão universal. Além disso, nutria uma forte atração pelo exotismo: em Madama Butterfly explora o choque cultural entre o Japão e o Ocidente; em La Fanciulla del West (1910) – que considero a sua melhor ópera – mergulha no espírito do Faroeste americano; e em Turandot (1926) recua à antiga China.
A doença
Bon vivant, mulherengo, amante da caça, dos barcos e dos carros de alta velocidade, o grande compositor – que se descrevia como «um caçador de galinholas, libretos de ópera e mulheres bonitas» – teve uma vida relativamente curta, falecendo aos 65 anos, a 29 de novembro de 1924. Cerca de um ano antes, começara a sentir dores de garganta e a tossir persistentemente. Em março de 1924, com o agravamento da situação, procurou um médico, que lhe diagnosticou uma inflamação reumática da garganta e recomendou um tratamento termal. Algumas semanas depois, numa estância de águas, escrevia à sua velha amiga Sybil Seligman, lamentando não se sentir melhor e confessando o prazer que lhe davam os cigarros Abdulla que ela lhe enviara. Sybil Seligman era neta do fundador da Abdulla & Company, uma empresa britânica especializada em tabaco. Iniciado muito cedo no consumo de tabaco, Puccini chegou a fumar 80 cigarros por dia.
Estava rouco e começara a perder peso; os gânglios linfáticos do pescoço, de tão volumosos, já não permitiam abotoar o colarinho da camisa. A 2 de novembro, foi examinado por três otorrinolaringologistas, que diagnosticaram cancro da laringe, de um tipo não operável, confirmado por biopsia. Havia, contudo, uma esperança, informaram os médicos: algo recente, a radioterapia, um tratamento com recurso ao rádio, o elemento químico que Marie Curie descobrira 26 anos antes. Dois dias mais tarde, acompanhado do filho Tonio, apanhou em Milão o comboio para Ostende, na Bélgica, de onde seguiu para Bruxelas, onde era esperado no Instituto de La Couronne, um dos centros mais avançados nesse tratamento. Levava consigo 36 páginas com notas e esboços do que faltava compor de Turandot, a ópera em três atos que iniciara em janeiro de 1921.
Baseada na peça homónima de 1762 de Carlo Gozzi, paladino da Commedia dell’Arte, a ação de Turandot decorre na China imperial e tem como protagonista a implacável e gélida princesa Turandot, que, por odiar os homens, afasta todos os pretendentes. O estratagema consiste em propor-lhes três enigmas que, se não forem desvendados, os condenam à morte. Um dos candidatos é Calaf, um príncipe desconhecido. A fábula trágico-cómica de Gozzi já tinha si levada ao palco operático por dois italianos: Antonio Bazzini (professor de Puccini no Conservatório) em 1867, e Ferrucio Busoni em 1917. (Em 2024, também se assinala o centenário da morte deste compositor.) Para conferir maior cor local à sua obra, Puccini, além dos gongos, recorreu a temas tradicionais chineses, como ‘Mo Li Hua’ (‘Flor de Jasmim’), uma melodia do século XVIII, que utilizou como Leitmotif de Turandot. (Para Madama Butterfly, recorrera a temas musicais japoneses.)
Já em Bruxelas, a primeira fase do tratamento, a radioterapia externa, teve início a 7 de novembro e durou seis semanas. Puccini voltou a recuperar o apetite e as hemorragias cessaram. O passo seguinte, que consistia na inserção de sete agulhas de rádio no tumor, sobre o qual atuariam durante seis dias, teve início no dia 24. Numa carta a um amigo, o compositor descreveu a experiência dizendo que era «como se tivesse baionetas enfiadas na garganta».
Às seis da tarde do dia 28, quando tudo parecia estar a correr bem, foi acometido por um ataque cardíaco. O médico, Dr. Ledoux – que já afirmara à imprensa que o grande compositor ficaria curado –, ficou tão transtornado que, de regresso a casa, ao volante do seu automóvel, atropelou mortalmente um transeunte. Exatamente ao contrário do que Calaf canta na famosa ária ‘Nessun Dorma!’ de Turandot, em que afirma que vencerá ao amanhecer («All’alba vincerò»), Puccini adormeceu para sempre naquela madrugada.
Dois finais para uma obra inacabada
Durante os últimos oito meses de vida, Puccini esforçara-se por concluir a ópera em que o beijo de um príncipe desconhecido transforma uma mulher vingativa que detesta os homens, numa amante submissa. Esta manifestação final do poder redentor do amor representava não apenas o clímax da obra, mas também o culminar de toda a sua carreira, que, até então, se caracterizara principalmente pela representação do amor como uma força destrutiva. O próprio compositor afirmou: «Comparada com a música que estou a escrever, toda a música que compus anteriormente me parece uma brincadeira». Além dos dois primeiros atos, tinha composto e orquestrado os 56 compassos que se seguem à morte de Liù – a escrava que, por amar Calaf, se suicida para não revelar o seu nome – e feito alguns esboços do dueto final. A par da doença, o receio de não igualar a intensidade emocional da cena de Liù tê-lo-á bloqueado.
Mais difícil do que os três enigmas de Turandot é descobrir qual seria o desfecho que Puccini teria dado à ópera – esse, sim, é um mistério que jamais será resolvido. O facto de procurar constantemente adaptar a sua linguagem musical às tendências contemporâneas – nas sonoridades das suas obras identificam-se influências de compositores como Debussy, R. Strauss e Stravinsky – torna ainda mais difícil imaginar como seria esse final. Quando começou a pensar na conclusão de Turandot, encontrava-se fascinado pela atonalidade, especialmente após ter assistido, em abril de 1924, com a partitura na mão, à interpretação de Pierrot Lunaire (1912) de Arnold Schönberg, um compositor que admirava – admiração aliás, recíproca.
Para terminar a partitura, foi escolhido Franco Alfano, músico que se destacara com a ópera La leggenda di Sakùntala (1921). Embora tenha baseado o seu trabalho nos desorganizados esboços de Puccini, o seu esforço traduziu-se num final bastante pessoal, considerado inadequado por Arturo Toscanini, o lendário maestro que iria dirigir a estreia, e por Tito Ricordi, filho do mentor de Puccini, já falecido. Por exigência de Toscanini, Alfano teve de cortar 109 compassos (mais de um terço da sua partitura). Insatisfeito, mas sem tempo para mais alterações, foi nessa forma que deu por concluída a sua tarefa.
Na noite da estreia, a 25 de abril de 1926, Toscanini baixou a batuta exatamente no último compasso escrito por Puccini. O final de Alfano só seria interpretado nas récitas seguintes, mantendo-se como o único remate oficial da obra durante três quartos de século e o mais interpretado até hoje. Em 1982, 58 anos após a estreia da ópera, o Chelsea Opera Group, no Reino Unido, interpretou pela primeira vez a versão original do final de Alfano. Em 2022, uma gravação em estúdio e uma apresentação em Roma, com Antonio Pappano à frente da Orquestra e Coro da Academia de Santa Cecília de Roma, conferiram uma nova vida a este final.
É mais ou menos consensual que nenhuma das versões de Alfano satisfaz totalmente. Se, por si só, o compositor – que só relutantemente aceitou a missão –, já não era a escolha ideal (teria sido Riccardo Zandonai?), as alterações de Toscanini comprometeram a coerência musical e a lógica dramática do seu trabalho. Vários musicólogos defendem que o melhor remate seria uma fusão ponderada dos dois finais de Alfano.
Outros desfechos
Em 2001, a Casa Ricordi encomendou um novo final a Luciano Berio, compositor italiano vanguardista, que, para tal, omitiu todas as partes do libreto que Puccini não contemplou nos seus esboços, nomeadamente o coro final com a melodia de ‘Nessun dorma’. A apresentação teve lugar em janeiro de 2002, em Las Palmas, na Gran Canária, com a interpretação do III ato em versão de concerto, sob a direção de Riccardo Chailly. Em maio desse ano, a Los Angeles Opera levou pela primeira vez à cena uma produção de Turandot com o novo final, sob a batuta de Kent Nagano. A receção foi mista, sendo, em geral, mais favorável por parte da crítica.
Em 2003, tive a oportunidade de assistir a uma récita da ópera com a conclusão de Berio, também sob a direção de Nagano, na Staatsoper de Berlim. Desde então, tenho ouvido este final em várias gravações. São impressionantes os momentos de tensão, acentuados por alguma atonalidade. Ainda assim, sente-se a falta da apoteose de Alfano (mesmo que algo desproporcionada). Berio termina com uma série de notas suaves e sustentadas, que pairam no ar como uma interrogação. Turandot, entretanto, regressaria a Portugal em 2004 e 2017 (estava ausente desde 1987), mas não com o final de Berio, que, até hoje, nunca foi apresentado no nosso país.
Os remates desta ópera não se ficam por aqui. Baseando-se igualmente nos esboços de Puccini, a norte-americana Janet Maguire elaborou um desfecho que, desde a sua conclusão, em 1988, aguarda uma interpretação. Em 2007, a temporada inaugural do Centro Nacional de Artes Performativas de Pequim, incluiu uma produção de Turandot com um final encomendado ao compositor chinês Hao Weiya. Esta versão, com uma nova ária para a princesa de gelo e a substituição da repetição coral de ‘Nessun dorma’ pela música de ‘Flor de Jasmim’, foi calorosamente acolhida na China. No Ocidente, porém, foi, em geral, considerada incoerente e demasiado distante daquilo que Puccini teria concebido. Em maio deste ano, foram dadas a conhecer mais duas novas abordagens ao final de Turandot, uma na Washington National Opera e outra na Opera Delaware. O final de Washington, criado por Christopher Tin em colaboração com a argumentista Susan Soon He Stanton, procura, tal como o de Hao, tornar mais convincente a súbita paixão de Turandot por Calaf. Para isso, inspirou-se em ‘Liebestod’, a ária final de Isolda em Tristão e Isolda (1859) de Richard Wagner. Os esboços de Puccini incluem a anotação «poi Tristano» («e então Tristão»), sugerindo que o dueto de amor de Turandot deveria remeter para a obra de Wagner. (Berio também considerou essa referência na cena do beijo.) O final de Delaware, por sua vez, deve-se ao jovem compositor Derrick Wang.
Num registo diferente, a encenadora alemã Daniela Kerck apresentou este ano, em Wiesbaden, uma versão de Turandot apenas com música de Puccini. Kerf identificou Calaf com o compositor, situando-o na sua biblioteca, junto a um piano de cauda, enquanto as restantes personagens representam pessoas da sua vida. Quando Liù se suicida e a música de Puccini termina, o compositor recebe um beijo de Turandot e, também ele, morre. Nesse momento ouve-se o requiem de Edgar, peça executado nas suas exéquias fúnebres, realizadas na catedral de Milão, a 3 de dezembro de 1924.
O crepúsculo da ópera italiana
Com Turandot, a ópera – uma tradição viva e central na cultura da Itália, com mais de trezentos anos de história – entrou em agonia. Embora tenha resistido por alguns anos, com sinais de vida cada vez mais ténues, foi gradualmente perdendo importância. Mesmo as óperas dos autores mais proeminentes do período pós-Puccini, como Zandonai ou Ottorino Respighi, perderam a capacidade de fascinar o público. Depois de Turandot, apenas Il prigioniero (1949), de Luigi Dallapiccola, e Il cappello di paglia di Firenze (1955), de Nino Rota, entraram no repertório – obras que, apesar disso, só raramente são encenadas.
No pós-guerra, a revitalização cultural do país encontrou expressão sobretudo no cinema, primeiro com os neorrealistas e, nas décadas de 1960 e 70, com nomes como Fellini, Antonioni e Bertolucci. Nos teatros de ópera, as temporadas passaram a centrar-se quase exclusivamente em Verdi, Puccini e Wagner, incluindo, de forma rara e ocasional, autores como Ildebrando Pizzetti ou Gian Carlo Menotti. As editoras musicais perderam relevância, os pequenos teatros de ópera converteram-se em cineteatros ou fecharam, enquanto os maiores se viram a braços com dificuldades financeiras. Subsidiados, alguns mantêm hoje uma aparência de vitalidade numa arte que já pouco diz ao cidadão comum, que prefere o festival de San Remo (como refere Alan Mallack em The Autumn of Italian Opera), o cinema, a TV e o streaming. Muitos teatros de ópera italianos são agora apenas pontos de passagem nos circuitos das produções e dos cantores. Quanto a estes, embora Itália continue a formar grandes vozes, as estrelas operáticas da atualidade tanto podem ser italianas como ucranianas ou coreanas.
A ópera exerceu um importante papel na coesão cultural e na formação da identidade nacional da Itália. (Mais tarde, a Radiotelevisão Italiana, criada em 1954, também contribuiria para essa unificação, sobretudo no plano linguístico.) Toda a nação – e não apenas um grupo de fanáticos – aguardava ansiosamente as novas óperas de compositores como Puccini. Esse mundo desapareceu há um século, mas as obras que nos legou estão vivas, continuando a encantar-nos.